Sentir e pensar se opõem? Quando li que o governador Wilson Braga ia reformar a Casa do Estudante fiquei dividido. Distanciado de Sua Excelência, eu assessorava, naqueles anos 80, o secretário Silvino na divulgação do Projeto Canaã. E a notícia era mais que promissora: ampliar a Casa, melhorar as instalações e oferecer mais vagas aos wilsons e gonzagas que continuavam, no interior do estado, a depender de moradia para continuar os estudos. O 2º Ciclo (o Ensino Médio de hoje) ainda era privilégio das duas maiores cidades: João Pessoa e Campina Grande.
A Casa tinha sido um pequeno e belo sítio atrás da Igreja e Convento de São Bento. Atrás da General Osório. Com o descuido dos hóspedes, foi deixando murchar ladeira abaixo, salvando-se o mangueiral pela própria resistência.
Não vivíamos sob o olhar poderoso dos pais, mas dávamos satisfação muda ao colega que não faltava às aulasE a mim, ser de meia alma e meio instinto, veio o temor de que a reforma pusesse por terra o amparo verde de tantas esperanças deferidas. Dito e feito. Mesmo as que foram se prescrevendo a cada ano me garantiam um renascer a cada turma ou geração que ia chegando. Saído de lá em fins de 1953, nenhuma outra porta ou convívio me infundiu mais firmeza e chão até que me lastreasse o amor da família. Uns mais apegados, outros mais distantes, nenhum cepeano deixava de acompanhar a sorte até mesmo do mais isolado.
No governo, Wilson me perguntou numa passagem um pelo outro: “Me dá notícia de Miroveu, de Espinha, de Napu!” Miroveu foi dos poucos que se valeram da função, cargo ou profissão para repercutir. Foi, essencialmente, Miroveu. Sem títulos, só a pessoa ou a personalidade. Mas tão lembrado quanto Dorgival, François, governadores, senadores, magistrados, médicos, advogados e outras crias da Casa.
Não vivíamos sob o olhar poderoso dos pais, mas dávamos satisfação muda ao colega que não faltava às aulas, que nos vigiava com seu exemplo. O único que a gente não via se escravizar no livro era Wilson, fazia-se no coletivo, na política estudantil, na direção da Casa, pescando no ar a desenvoltura política que o colocaria entre as grandes lideranças do seu Estado.
A Casa do Estudante que ele construiu certamente é a menos famosa de suas obras, ensombrada entre o arrojo do Canaã e dos programas de habitação popular. É, entretanto, a que lhe deixou em dúvida, há quatro ou cinco anos, quando me viu sair do pátio da Catedral e dobrar à esquerda em direção à São Mamede.
“Vais pra onde? / - Vou olhar a Casa, aqui pela São Mamede. Me deu vontade, apesar de não ser a mesma, a nossa que você derrubou. / - Eu também já fiz isso, mas pela Rua da Areia. A nossa era mais nossa, não era Nêgo?”
Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL