Naquele ano de 1967, Vanildo Brito não era o abstêmio que a enfermidade o obrigou a sê-lo, mas o boêmio de longas jornadas noite adentro, ora no “Bar do Chapéu”, ora no “Bar de Merêncio”, ou ainda em outras bibocas que ele descobria em suas andanças à margem da província.
Filósofo muitas vezes encharcado de questionamentos metafísicos, nem por isso deixou de se contagiar pela alma das ruazinhas boas e simples, distantes e esquecidas, da João Pessoa de três, quatro décadas atrás.
Quanto ao Vanildo poeta, diria que – na esteira dos versos de Carlos Drummond de Andrade – deixou de ser moderno para se tornar eterno. E o eterno, aqui, significa a sua opção por uma poesia de feitio clássico, apolíneo, imune a modismos ou outras coisas do gênero, pois, com efeito, à lírica do autor de “Selecta Carmina”, as vanguardas nada tinham a acrescentar. Vanguardas em termos do concretismo e seus desdobramentos, uma vez que, se abeberando em Jorge de Lima, sobretudo no de “Invenção de Orfeu”, a poesia de Vanildo possui algumas ressonâncias do Surrealismo, principalmente no seu livro de estreia, “A Construção dos mitos”.
Para mim, a melhor poesia de Vanildo Brito é aquela que se cumpre sem a necessidade de corroborar os sistemas filosóficos que ele postulava em salas de aula e através de ensaios veiculados no “Correio das Artes” ou outras publicações do gênero. E isso porque a poesia não precisa provar coisa alguma, do contrário seria um mero epifenômeno da história, das ciências, da filosofia, etc.
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Diferentemente do que escreveu o amigo e poeta Marcos Tavares, Vanildo se candidatou, sim, a uma vaga na Academia Paraibana de Letras. Só que o seu jeito arredio, tímido, o indispunha a cabalar, a pedir o voto dos acadêmicos, como o fez o economista e político Aluísio Afonso Campos, vencedor da disputa. Quero crer, inclusive, que a sua candidatura decorreu muito mais da iniciativa de alguns amigos do que dele próprio, cujo temperamento anárquico, rebelde, sempre o situou num plano oposto ao de sua poesia, quase toda ela tributária da tradição.
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Se, na juventude, foi o mentor e o artífice da Geração 59, mal ingressou na idade madura abdicou do sentimento grupal para se isolar cada vez mais da vida literária. Foi quando se entregou à tarefa de traduzir alguns poetas latinos e de reunir os poemas que integram o livro “Selecta Carmina” (Edições Linha D’Água, João Pessoa, 2007), lançado quando a “indesejada das gentes” já lhe movia o cerco. Tanto que, embora tenha composto “Moritura nave” por ocasião do falecimento de Archidy Picado, a quem, inclusive, dedicou esse poema no suplemento “Correio das Artes”, desta feita omite o oferecimento ao colega de geração para, quem sabe, travestir-se, ele mesmo, no navio que, “(...) De velas recolhidas, (...)/ está cansado e arqueja lento. / (...) não está naufragando. Nem sequer/ aderna. Morre apenas, carcomido/ lentamente, marcas de mar/ no seu corpo aderidas como/ fundos sinais de mortes e de vidas./ (...) Não há lamentos nem salgadas lágrimas/ sobre o seu corpo imenso e mudo.// Vive no sempre o onírico navio.