Essa quarentena vai deixar marcas profundas. Não tenho dúvidas. Até minhas mãos não são mais as mesmas. Minha casa já não é vista com os mesmos olhos. Percebo, por exemplo, que alguns livros lidos e lindos pediam uma nova leitura. Pacientes, esperaram anos a fio. As amizade distantes nunca estiveram tão perto. Esse hiato na vida de um escritor, entretanto, tem de tudo.
Descubro que as utopias estão transmutadas. Alegorias do cotidiano passeiam pela sala. Estamos com a vida minimalizada. Com medo do medo que sentimos. Mas na verdade eu só queria dizer que não aguento mais lavar panelas.
Fico pensando em Alana, minha companheira, meu maior amor do mundo. Médica e tanta coisa na vida. Sensibilidade à flor da pele. Tem duas filhas ainda crianças, país idosos, pai doente. Vai pra luta com garra, sabendo dos riscos, coração em chamas.
Estamos separados por uma pandemia, mas, mais perto que nunca um do outro. Assim estão vivendo milhares de profissionais da saúde neste momento. Se podemos ajudar? Claro que sim. Vamos ficar em casa. Vamos pensar que tudo isso vai passar. Vamos transmitir o vírus da alegria e do amor. A única certeza que tenho é do abraço gigante que tenho aqui guardado.
Trabalhei na área social da prefeitura, um tempo, e tive lições doídas e inesquecíveis. Certo dia, numa visita ao Timbó, uma comunidade muito pobre, perto de onde moro hoje, uma senhora me contava sobre aS suas dificuldades na vida.
Moravam onze pessoas num casebre de dois cômodos, com o esgoto correndo por trás do cômodo que era a cozinha. Em tempos de quarentena, a lembrança de uma frase dela me atingiu como uma facada:
- Meu filho, aqui quanto todos deitam para dormir, ninguém pode andar em casa.
(excertos da Web)