Há doze dias estou confinada no meu apartamento. Controlando o desejo de trabalhar, de estar com os familiares, de respirar ares da rua. O apartamento, que é grande, ficou pequeno. Do quarto para a sala, da sala para a cozinha, escritório, quarto, de novo. Dizem que a quarentena será de vários meses. Resisto, procurando o que fazer: limpeza da casa, leituras, reescrevo textos sobre as últimas notícias da pandemia, para o site. Mas há um vazio, como se nada fosse possível preencher. É a falta de liberdade.
Lembrei da mocinha de 13 anos que sonhava em ser escritora ou jornalista, e que ficou confinada, num sótão, escondida com a família, tentando fugir dos nazistas. A história de Anne Frank sempre me emocionou, desde que li seu diário, ainda adolescente. Depois, há poucos anos, estive na casa, em Amsterdã, onde foi seu esconderijo. É hoje um museu que recebe visitantes do mundo inteiro. É impactante passar pelos pequenos cômodos ainda com a mobília que ela usou, ver as fotos que ela colou na parede do quarto.
Eles foram para o esconderijo em julho de 1942 e Anne tinha 13 anos. Para não serem descobertos, não podiam fazer barulho, sussurravam para falar uns com os outros, comiam o que amigos deixavam, e só tomavam banho aos sábados, de tina. Imagino que todas essas provações não eram nada comparado ao medo que sentiam, o pavor de serem descobertos pelas tropas do governo alemão. “Fico aflita com a ideia de não poder sair daqui, e tenho medo que nos descubram e nos fuzilem”, escreveu Anne para a amiga imaginária Kitty, no seu diário. Depois ele se deu conta que era ainda pior: “A emissora inglesa fala de câmara de gás. De qualquer forma talvez seja a câmara de gás a maneira mais rápida de se morrer”. Os judeus estavam sendo levados para os campos de concentração.
No esconderijo não havia janelas. Para ver fora, Anne ia para o sótão, olhar por uma pequena abertura com vidros. Ela deixou escrito no seu diário: “ ...serei capaz de escrever algo grande, serei jornalista e escritora? Espero que sim. Eu espero muito que sim!". "Depois da guerra, eu gostaria de publicar um livro com o título 'O anexo secreto'".
Anne Frank e mais sete pessoas, de sua família e de outra, viveram pouco mais dois anos no anexo secreto. O esconderijo foi descoberto no dia 4 de agosto de 1944. Todos foram para Auschwitz e depois para outros campos de concentração. Num dia de fevereiro ou março de 1945, Anne Frank morre, de fome e tifo, no campo Bergen Belsen. Dos que estavam no anexo, apenas o pai, Otto, sobreviveu, e publicou o diário pela primeira vez, em 1947. Você conseguiu, Anne.
Rosa Aguiar é mestre em comunicação e jornalista