Pense
num velório! Calma: antes de se escandalizar deixe-me tecer algumas
considerações sobre o assunto. De saída, tia Anjinha era a minha tia predileta.
Era a
irmã mais nova da minha avó. Conhecida pela sua formosura, desde criança, em
sua juventude foi Miss Vale do Piancó, por ser uma das moças mais belas daquela
região, berço da minha família.
Mãe de
primos e primas que eu adoro, sempre foi uma mulher dinâmica, muito bem organizada,
mãe de família determinada, mas possuidora de uma candura que cativava quem a
conhecia. Não por coincidência, seu nome era exatamente Ângela.
Ela
gostava muito de mim, ao ponto de ter me escolhido para seu médico-assistente. Pois
esta é a minha homenagem à tia Anjinha, realmente um anjo de pessoa.
* * *
A
minha concepção sobre a perda de alguém é a seguinte: quando o ente querido
ainda é novo, ou de idade já provecta, porém ainda producente, a sua perda é
muito lamentada, muito sentida. Seu velório e´...
... UM VELÓRIO!
Mas
quando a pessoa já é bem “morrível”, a qualquer momento se espera a notícia, o
velório passa a ser um reencontro. Toma ares de quase alegria por poder
revermos parentes e pessoas que há muito não víamos.
O
velório se torna um verdadeiro recenseamento: quem levou chifre, quem corneou,
quem casou de novo, quantos netos tem. Quem desmunhecou!
No
velório da tia Anjinha, tive a oportunidade de rever amigos de infância, velhos
companheiros dos banhos de rio (escondido de mamãe, é claro!), das peladas, das
vaquejadas, das primeiras experiências da juventude.
Fôramos
habitués da sinuca de Ananias e dos assustados na sorveteria de Walter. E, às
escondidas, frequentadores do rói-couro, que era como a minha avó chamava o
cabaré da cidade.
Lá
estavam também, animando o velório, os primos Edmilson Fonseca, o nosso querido
Muriçoca, e Bernadete Gomes, a Detinha de Zú. Estava lá a prima Zezita, muito
querida, prefeita de Santana dos Garrotes e que há muitos anos eu não via. Seus
irmãos Dr. Jordan, Josmar e Judite. Depois do enterro, a prima Jovânea serviu a
melhor galinha-de-capoeira que eu já comí!
Respeitando
a tristeza pela perda de parente tão querida, não deixou de ter sido para mim
uma oportunidade muito boa por saber que os primos estavam todos bem.
* * *
Tem
velório que é memorável devido à personalidade do falecido. Foi o caso do
excelente pediatra Dr. Paulo Soares. Tendo sido a grande figura que foi, a
personalidade sempre engraçada e muito querida, no seu velório cada roda de
presentes era uma gargalhada. Ninguém resistia às histórias do nosso Paulinho
Soares, boa parte delas impublicável.
Só
para exemplificar, numa delas alguém se lembrou da mãe aflita: “Dr. Paulo,
passe um remédio para o meu filho crescer!” “Ora, minha senhora, se tivesse
algum eu passaria pra mim!”, lembrando-se do seu tipo físico.
Tem
outros velórios inesquecíveis de personagens memoráveis. Lembro-me com saudades
dos velórios de Neno Rabello e do primo Fred Pitanga. Valeram bem a máxima
acima: “Pense num velório!”
Ao
longo dos enterros da minha vida tive a oportunidade de conhecer pessoas que
animam velórios. O fazem sem nenhuma intenção de desrespeitar os mortos: é da
sua natureza ser assim. Verdadeiros profissionais do anti-pranto, carpideiras
às avessas, tornam mais suave a despedida de quem gostávamos tanto.
Alguns
deles, infelizmente, já se foram. São os casos do primo Edmilson Muriçoca (era
um mestre no metier!); da prima Detinha de Zú; do engraçadíssimo Cleanto Pinto;
e do hilariante Fred Pitanga. Sinto muito a falta deles, mesmo longe dos
velórios.
Mas
tem um grande animador de velórios que continua aqui em baixo conosco: meu
amigo de infância Flávio Tavares. As suas histórias nos enterros são inexcedíveis!
Só o acervo de histórias de seus familiares já garantem um bom velório. Mas
resisto a contratá-lo para animar o meu.
Vôte!
(José Mário Espínola, médico e escritor - jmespinola50@gmail.com)
(José Mário Espínola, médico e escritor - jmespinola50@gmail.com)