Ele veio qual capim numa fresta de asfalto.
Saiu verdejante em meio à brutalidade daquelas pedras pretas, sob o causticante calor que só o asfalto produz e suporta. Saiu como vida que se vinga da propensa morte, desafiando mesmo os textos sagrados que pregam terra fértil para semeadura. Verdejou porque buscava o Sol, desejava a luz, seu alimento único.
Assim é como eu te vejo. Algo raro, mas não perecível. Sinto em ti uma espécie de seiva que me nutre e me refresca o tempo árido da vida.
Assim é o amor entre amigos. Não é o ardor da falta, o medo do não ter. É um devir sempre-ter, melhor, sempre-ser.
O amor entre amigos é rizomático. Eclode em terrenos inusitados e ludibria a razão. Mil palavras quisesse eu agora tê-las no encontro do branco papel e a marca indelével da tinta para dizer sobre o amor entre amigos.
Talvez fosse o devir-amizade um labirinto. Portas e entradas-saídas que talvez nunca delas se saia. Mas não é espanto e nem gaiola. É um ritornelo, um eterno vir-a-ser de tantos sentidos e afetos sempre-ditos, jamais-ditos. Nas alamedas nunca se enluta o amor, pois que brota sempre. Emerge em espaços de encontros. O amor-labirinto é o sempre-encontro.
Talvez fosse o devir-amizade um chuva fina e molhadeira. Daquelas que caem sei lá de onde, em forma de gotículas quase invisíveis, mas que nos ensopam quase à alma. Chuvinha mansa e criadeira. Sem trovoadas e raios rasgando horizontes. Não. Nada de trovejos. Apenas um zunido de coisas que nascem, como se o som dos brotos rasgando a terra pudesse ser ouvidos na sua sinfonia de vida que nasce. O amor-chuva fina é o ato da criação.
Talvez fosse o devir-amizade um eco. Repetições de últimas frases, às vezes desconexas e vãs. Aqueles de buracos abissais, de cânions que nem se sabe onde findam. Aqueles das catedrais góticas, de sons que ricocheteiam seus arcos. O som depois dos mantras nos sagrados templos. O amor-eco é o som do que já foi dito.
Talvez fosse o devir-amizade uma ponte. Quando se dá este encontro entre um Eu e um Outro, diluem-se ambos. Perco-me de mim no outro. Encontro meus vazios no outro. Dispo-me na apresentação ao outro, a este outro que talvez seja um Eu reconfigurado. Reflexo de mim, despido de mim, pois no encontro amoroso, cedo o que me torna eu mesmo em nome de um nós, de um enovelamento de si sobre o outro. Entre o Eu e o Outro nada mais resta que só o vazio. Mas há a ponte, o intermédio. O amor-ponte é a nudez dos afetos.
Reviro caixas em busca de cartas que nunca escrevi. Reviro-me à noite, insone e ensopado de suores que nem me pertencem. Assunto o dia vago, buscando sei-lá-o-quê.
Que me falte o pulso dos homens.
Que me falte o pulsar das mulheres.
Mas não me faltem os amigos.
Que afoguem os mares de sonhos.
Que me traguem os vinhos mais raros.
Que, enfim, se abram minhas eclusas e que eu, taciturno e pálido dentro das vazias noites, me escorra em rios de corredeiras sem mares.
Mas que não me falte o devir-amizade. Amor-amigo é amor que nunca seca.
Adriano de Léon é doutor em ciências sociais e professor E-mail