Dominique vinha passar férias com gente. Eram dois abraços. Um na chegada, outro quando ia embora. Ela “botava macaco” na hora do abraço. Sabe o que é isso? É empurrar a pessoa com as mãos e antebraços, para que não se aproxime muito, durante um abraço ou dança. No meu tempo de rapazinho, “menina direita” botava macaco para dançar nos assustados*.
Quando conheci Anna, lá em Barcelona, sabendo que europeu é mais reservado com essa coisa de contato físico, a cumprimentei com um aperto de mão.
- “E los dos besos”? Ela perguntou.
Depois disso tinha beijinhos e abraços. Um dia, levando-a para o aeroporto, ela me contou que gostava dos dois beijinhos, mas achava desconfortáveis os abraços.
- Nunca abracei nem minha mãe assim, encostando os peitos.
Seu Antonio Serafim nos proporcionou uma noite maravilhosa em Lisboa. Ao nos despedirmos, perguntei-lhe se poderia agradecer com um abraço. Ele consentiu. Juntei ele todinho no abraço mais apertado que pude dar. Ele recebeu, tenso que só uma corda de violão, coitado, mas disse com a voz embargada:
- Prometesh que nunca vaish esquecer-sh” de mim?
Como poderia? Cumpro a essa promessa até hoje, 20 anos depois, mesmo nunca mais tendo lhe visto. O abraço não é coisa exclusiva de brasileiro. Mas deveria ter uma categoria de abraços com essa denominação.
“Abraço a la brasileira”.
Esse é coisa nossa. A gente abraça se apertando, peito contra peito. Ou melhor dizendo, peito a favor de peito. A gente abraça se misturando com o outro. Quanto mais apertado o abraço, melhor a qualidade do abraçante. A gente abraça fazendo carinho nas costas do abraçado. Dois tapinhas, uma passadinha de mão (nas costas, viu? Desceu, é safadeza), cosquinhas, um balancinho pros lados. A gente abraça homem, mulher e criança. Cachorro também. A gente abraça amigo, amigo de amigo e desconhecido. Na hora do gol a gente abraça qualquer um que esteja do lado, mesmo sem nunca ter visto.
Abraço de brasileiro é igual a casa. Abrigo, acolhimento, amparo. Tem qualidades altamente terapêuticas. Reforça o sistema imunológico. Tem uso para qualquer ocasião. Tristeza: o abraço alivia. Medo: o medo passa. Raiva: a dor vai embora. Alegria: o abraço amplifica. E nesse caso a gente se abraça pulando. Em aeroporto, abraço de brasileiro é capaz de fazer perder o vôo, se for na ida. Na volta, quem chegou só aterrissa mesmo, na hora do abraço. Às vezes a gente abraça e quando sai do abraço, se olha e abraça de novo.
A gente abraça como forma de dizer “eu te amo”, “como é bom te ver”, “eu tô aqui e cuido de você”. O abraço dispensa as palavras.
Tive um amigo, também europeu, que quando chegava no Brasil, dizia:
- eu vim por causa dos abraços!
Jean Marc, um professor francês que eu adoro, achava abraço de brasileiro sufocante. Era engraçado abraçá-lo, enquanto ele tentava se desvencilhar. Ahh, Jean Marc! O abraço é entrega, confiança. É um mergulho no coração do outro e só funciona sem rede de segurança, por que o abraço é a própria rede de segurança.
Paulistano, aquele povo que a gente diz que é da selva de pedra, quando encontra amigo, dá um beijinho e um abracinho. É “bunitim” demais esse costume.
E minha sogra dizia que a gente precisa de pelo menos 8 abraços por dia, para ter saúde. Sempre botei muita fé na minha sogra.
Lembra de Dominique, de quem falei lá em cima? Ela costumava vir em janeiro, fugindo do frio. Passava o dia inteiro na praia, tomando sol, estocando calor. Mal sabia que, já no primeiro abraço, um daqueles onde “botava macaco”, ela poderia estocar calor para o resto da vida. Era só lembrar.
É isso. Hoje eu quero te mandar um abraço. E se a gente se encontrar por aí, quero mesmo é te dar um “abraçaço”.