Excertos do Discurso de Saudação ao novo acadêmico, Professor Milton Marques Júnior, proferido pela Professora Ângela Bezerra de Castro, na APL
"A Academia não é uma associação qualquer. É, antes de tudo, um Templo. Templo erguido para o culto perene às realizações intelectuais marcantes, únicas em seu conteúdo e expressão, e que por isso acrescentam nova dimensão à realidade cultural da Paraíba."
"O espírito acadêmico integra esse mesmo universo de valores, por isso refratário a qualquer moeda de troca. Ele se afirma e se solidifica na essência da criação intelectual de qualidade dos que vão tecendo a história desta Casa.
Às vésperas de completar 80 anos, um considerável marco de existência, a APL já dispõe de perspectiva histórica para uma análise crítica de suas escolhas, que possa contribuir com o aperfeiçoamento dos critérios prevalentes em cada eleição. A essa altura, já é possível distinguir os sócios que integraram a APL, de forma paradoxal, apenas na ausência e no silêncio, daqueles que lhe deram vigor e continuidade. Os que trouxeram seus dons e depositaram como pedras para a construção do Templo."
"Meu querido amigo, sua história é mais que merecedora de reconhecimento. Ela é exemplar, é inspiradora. Não apenas pelos objetivos alcançados com inteligência e obstinação ou pela erudição acumulada no exercício permanente da aprendizagem e do ensino, sua profissão de fé. Mas pela coragem de buscar e de realizar o mais difícil, na contra mão de uma realidade histórica dominada pelo imediatismo da banalidade e da superficialidade."
"Você não se deixou contaminar pela acomodação dos que se anulam no silêncio. Mobilizou toda sua competência e energia para corrigir a distorção da velha reforma impensada, que eliminou de nossos currículos a cultura greco-latina. Precisou confrontar e neutralizar a realidade adversa. Sonhar e se fortalecer com sua capacidade de liderança, até que essa iniciativa visionária, esse pensar grande resultasse na criação do Curso de Letras Clássicas, licenciatura em Língua Latina, Língua Grega e suas respectivas literaturas.
Hoje, através dessa valiosa área de estudos, com o comprometimento de sua coordenação, nossa UFPB se interliga a outras instituições de ensino superior que também tiveram esse alcance de preencher o que sempre foi uma lacuna injustificável, em nosso sistema educacional.
Talvez a Paraíba ainda não se tenha dado conta da dimensão desse feito. Mas seu lugar na História será ao lado dos antecipadores do futuro, daqueles que edificam para a posteridade com materiais que o tempo não desgasta."
A seguir, a íntegra do Discurso:
Discurso de saudação ao acadêmico Milton Marques Júnior
(Profª Ângela Bezerra de Castro)
Cada vez que a Academia elege um novo sócio, expõe seu nível de comprometimento com os ideais que motivaram sua criação e a estruturaram como entidade de utilidade pública. Ideais concretizados em objetos que se destinam à preservação e à divulgação da memória cultural da Paraíba.
Será sempre pertinente indagar se a história de cada sócio garante a continuidade da Instituição, sem que se perca de vista a sua divisa: Estética e Trabalho. Pois a Academia não é uma associação qualquer. É, antes de tudo, um Templo. Templo erguido para o culto perene às realizações intelectuais marcantes, únicas em seu conteúdo e expressão, e que por isso acrescentam nova dimensão à realidade cultural da Paraíba. Templo do saber que constrói e liberta o homem, “para facilitar o discernimento dos fenômenos sociais, para não se andar no escuro, desconhecendo a própria sombra”. Esse o conceito de José Américo, na instalação de outra Academia, a UFPB.
Lembro de nosso confrade e querido amigo, Odilon Ribeiro Coutinho, repetir, com ênfase, que o melhor da Academia era a convivência. Mas a gratificação dessa convivência inexiste, se o saber não se estabelece como o valor maior desta Casa. Saber que equipara Ciências, Letras e Artes, numa comunhão que agrega os diferentes, aproxima os distantes e faz das múltiplas tendências um corpo místico, alimentado pela ânsia de crescimento e de realização intelectual. Metas que dão sentido ao existir, impelindo o homem a elevar-se para a transcendência a que se destina.
Penso a Academia, inspirada na perspectiva do humanismo cósmico de Exupéry, nessa lição insuperável: “O que torna bela uma casa não é que ela nos abrigue e que tenha paredes. Mas que deponha em nós certa provisão de doçura que faça brotar, como de uma nascente, os sonhos”.
Foi através desse mesmo olhar que Manuel Bandeira reergueu a casa do se u avô. Com materiais “imponderabilíssimos e impalpáveis”. E, só assim, pôde imortalizá-la “impregnada de eternidade”.
O espírito acadêmico integra esse mesmo universo de valores, por isso refratário a qualquer moeda de troca. Ele se afirma e se solidifica na essência da criação intelectual de qualidade dos que vão tecendo a história desta Casa.
Às vésperas de completar 80 anos, um considerável marco de existência, a APL já dispõe de perspectiva histórica para uma análise crítica de suas escolhas, que possa contribuir com o aperfeiçoamento dos critérios prevalentes em cada eleição. A essa altura, já é possível distinguir os sócios que integraram a APL, de forma paradoxal, apenas na ausência e no silêncio, daqueles que lhe deram vigor e continuidade. Os que trouxeram seus dons e depositaram como pedras para a construção do Templo.
Professor Milton Marques Júnior, esta é a Casa das Letras da qual você se torna, hoje, sócio efetivo. A distinção de recebê-lo nesta solenidade, em nome de todos os meus pares, é uma daquelas raras alegrias que devo reconhecer como presente do Destino. Não do acaso. Pois sabemos de quanto tempo e de quantas ternuras se constitui esse instante de duração infinita.
Em seu discurso poético, de memória e gratidão, você atualizou o espaço-tempo de uma imagem que guardo com absoluta nitidez. Daquele adolescente concentrado na busca pelo conhecimento. Para sua vontade de aprender, as aulas não bastavam. Abraçado aos livros e cadernos, era comum encontrá-lo pelos corredores, em diálogo com algum mestre, perguntando e ouvindo a explicação para sua dúvida ou curiosidade, em contrita devoção. Ali, em nossa Escola Técnica Federal da Paraíba, estava sendo gestado o professor de todos os méritos, o pesquisador incansável, o escritor de muitos talentos, o imortal cujo perfil projeta para a APL uma participação intensa e criadora, com o selo indispensável da qualidade intelectual.
Tem sido este o nível de suas publicações. Sempre de grande alcance pedagógico e com o propósito revisionista.
Destaque para sua tese de Doutoramento, editada pela UFPB. Nela você faz nova leitura da história e da crítica, sobre a obra de Aluísio Azevedo, para comprovar que o escritor “chegou a O Cortiço, em 1890, produzindo um romance essencialmente moderno, antecipador” porque foi capaz “de ler-se a si mesmo, de ler os contemporâneos brasileiros ou estrangeiros e de ler os sinais da rua” indicativos das transformações do mundo urbano.
Conclusões apoiadas em exaustiva análise dos elementos constitutivos da narrativa e ainda reforçadas pelas declarações do ficcionista, que não deixam dúvida sobre seu propósito de “encaminhar o leitor para o verdadeiro romance moderno”.
Também é obrigatório referir o trabalho contínuo que você vem realizando sobre nossa literatura chamada colonial. Primeiro, a reedição de Marília de Dirceu, com ensaio introdutório que enfrenta a dificuldade histórica do estabelecimento fidedigno do texto de Tomás Antonio Gonzaga, além das notas explicativas que tornam possível a leitura dos poemas, aos que não têm conhecimento para decifrar os elementos clássicos a eles incorporados.
Nesta sequência, vem a atualização da PROSOPOPÉIA, de Bento Teixeira. Um esforço coletivo de grande mérito, que corrige as injustiças da crítica e até o nome do autor. Enfim, proclama a face erudita do poeta, leitor da Eneida, das Geórgias, da Ilíada, das Metamorfoses e da Teogonia, como um valor suficiente para salvar sua obra.
Podemos concluir que existem dois importantes suportes para sua dedicação intelectual. A paixão pela cultura clássica e a certeza de que “Nada mais revolucionário do que buscar a melhor Educação, universal”.
Penso que a paixão pela mitologia foi seu primeiro alumbramento. Muito jovem, tornou-se tão íntimo dos deuses e heróis da Antiguidade Clássica, que o conhecimento não parecia adquirido através dos livros. Na ênfase e propriedade com que tratava cada detalhe da monumental realidade imaginária, dava a impressão de que convivera, muito de perto, com aquelas personagens e narrativas. Ainda hoje é assim. Se o tema emerge em uma conversa, é tratado com tal clareza, com tanta emoção, como se fosse a atualidade de uma experiência acumulada em recente viagem ao Olimpo.
Meu querido amigo, sua história é mais que merecedora de reconhecimento. Ela é exemplar, é inspiradora. Não apenas pelos objetivos alcançados com inteligência e obstinação ou pela erudição acumulada no exercício permanente da aprendizagem e do ensino, sua profissão de fé. Mas pela coragem de buscar e de realizar o mais difícil, na contra mão de uma realidade histórica dominada pelo imediatismo da banalidade e da superficialidade. Realidade que investe contra a memória de forma iconoclasta. Exemplo bem atual é o propósito de omitir nosso patrono Arruda Câmara, da denominação do parque que, com toda propriedade, leva seu nome de naturalista reconhecido por grandes estudiosos europeus.
Você não se deixou contaminar pela acomodação dos que se anulam no silêncio. Mobilizou toda sua competência e energia para corrigir a distorção da velha reforma impensada, que eliminou de nossos currículos a cultura greco-latina. Precisou confrontar e neutralizar a realidade adversa. Sonhar e se fortalecer com sua capacidade de liderança, até que essa iniciativa visionária, esse pensar grande resultasse na criação do Curso de Letras Clássicas, licenciatura em Língua Latina, Língua Grega e suas respectivas literaturas.
Hoje, através dessa valiosa área de estudos, com o comprometimento de sua coordenação, nossa UFPB se interliga a outras instituições de ensino superior que também tiveram esse alcance de preencher o que sempre foi uma lacuna injustificável, em nosso sistema educacional.
Talvez a Paraíba ainda não se tenha dado conta da dimensão desse feito. Mas seu lugar na História será ao lado dos antecipadores do futuro, daqueles que edificam para a posteridade com materiais que o tempo não desgasta.
Na premonição de José Américo de Almeida, você representa os que dão “asas e o selo da perpetuidade” ao mais ousado e ambicioso de seus projetos, a criação da UFPB.