A Letra Escarlate é uma obra publicada em 1850 de autoria de Nathaniel Hawthorne, que virou filme em 1995, protagonizado por Demi Moore, e g...

A sanha social pela desgraça alheia


A Letra Escarlate é uma obra publicada em 1850 de autoria de Nathaniel Hawthorne, que virou filme em 1995, protagonizado por Demi Moore, e ganhou uma refilmagem em 2015. A Letra Escarlate é um retrato dramático e comovente da submissão e da resistência às normas sociais, da paixão e da fragilidade humanas Veja o trailer aqui.

A obra conta a história de Hester Prynne, que após cometer o “crime” de adultério e engravidar do amante, é sentenciada a usar a letra “A” costurada no vestido. Além disso, Hester só pode sair à rua com um garoto batendo um tambor à sua frente, para anunciar à comunidade que ela estava de passagem. Hester foi uma mulher julgada e condenada a ser constantemente humilhada e hostilizada. A letra que carregava ao peito levava o peso da desonra. A sanha social pela sua desgraça precisava ser saciada, e nada melhor que a aquele símbolo estampado em seu peito para curar a sanha por um justiçamento.

A prefeita de Conde, Márcia Lucena, não tem uma letra “A” costurada em seu vestido. Não estamos mais no século XVI, período em que a história se passa. Mas estamos em tempos de medo, de justiçamentos e apedrejamentos públicos, e na falta de uma letra qualquer para se costurar na roupa, usa-se uma tornozeleira eletrônica. O objetivo, exatamente o mesmo: humilhar e hostiliza, impedir que ela exerça suas funções, trancafiá-la em casa e garantir que a moral e os bons costumes não sejam atingidos pela imagem de uma mulher, que assim como Hester, resolveu que a sua honra e a sua história não precisam de intermediários.

Assim como Hester, que não se furtou a continuar exercendo as funções que uma mulher, numa comunidade extremamente opressora e conservadora, poderia cumprir. Márcia é prefeita. Por força do voto e por força da lei. Ela precisa, e deve, continuar no exercício do cargo. E na falta de um garoto num tambor anunciando sua passagem, temos alguns setores da “imprensa” que conseguem sair gritando que ela está de passagem.

o garoto do tambor, faz barulho, mas não causa medo

De acordo com o que foi divulgado, ela teria “perdido a vergonha”.

Vergonha de quê, exatamente? De ter sido presa sem uma justificativa plausível, baseada apenas numa delação? De não ter tido acesso aos autos do processo? De não ter tido a mínima oportunidade de se defender de forma digna? De continuar exercendo a função a qual foi eleita? De ter sido exposta publicamente como uma criminosa, sem ter tido qualquer crime comprovado?

Ora, qual seria a alternativa de Márcia Lucena? Se esconder? Parar de trabalhar? Fugir das pessoas? Se furtar a usar seus vestidos?

Quantas dessas perguntas poderão, em algum momento, ser respondidas? As mulheres de hoje já não têm mais medo de garotos com tambor.


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