Um romance que sempre me persegue e que é contado o dia em que não me vejo nele é “Bolsos vazios” de Allyrio Wanderley. Quando menos espero, estou como Assuero, um de seus personagens mais fortes, comprando o bilhete ou arriscando na versão atual da loteria, que representava o único sol promissor por entre as sombras desalentadoras do mundo de Cimaldo, o protagonista do romance. Mundo em que muitos apostam todas as fichas na cidade grande, como o próprio Allyrio, e terminam de almas retirantes como particularmente me sugere, agora, a visão física dos afogados na enxurrada paulistana.
Por que essa compulsão de toda uma vida em consciente busca da incerteza? Também a sorte, se não tem me favorecido com as peque- nas fortunas, nunca tem me faltado com os afetos da banca. Na adolescência, carregando os talões de bicho que o tio Viana passava no Alto do Seixo, em Campina e em João Pessoa, desde o primeiro mo- mento, com a amizade do tenente Rubinho Falcão.
Mas nunca estou livre de ser atormentado por aquele horizonte denso e sem esperança da pouca fortuna em que se encobrem Cimaldo e Assuero.
Recrimino-me, com as condições que tive de in- fluir, não ter reeditado esse romance em que mais me vi personagem.
Ascendino Leite bem me chamou a atenção para aquela preparação de tragédia que é toda a narração e que consiste nisso, nessa falta de ar, de luz, de esperança, a vida encerrada na incerteza. A quimera como a única fava contada.
Ponhamos os olhos da consciência neste entrecho: “A primeira visita que recebi naquele porão da rua Vitória, onde agora apodrecia entre aspirações e percevejos, foi a
de Assuero:
“Homem, você vai descendo que é uma maravilha... - É exato; já estou com terra pela cintura.”
E foi assim, a ficção de Allyrio me acontecendo em plena luz do dia, a realidade causando arrepios. Não mais hoje, na idade das esperas inelutáveis, mas no tempo em que no meio do caminho sempre batia numa pedra.