A Grécia Antiga foi conquistada pelos romanos com o uso da espada, mas este povo espezinhado venceu seus opressores com sua inteligência, pois tinha a cultura como principal arma. Para chegar à vitória silenciosa, o livro se sobrepõe às catapultas, às espadas, aos canhões e ao muque agressor.
Quando Nero destruiu a Biblioteca de Alexandria, imputou aos cristãos esse crime, numa tentativa de incriminá-los. Os ditadores não aceitam a cultura como alimento para a alma, porque sabem que podem destruir o corpo, mas nunca o que está armazenado na mente.
Povo unido é povo invencível. Jesus mudou a História da humanidade com a Palavra e com gesto de inigualável sabedoria. Spartacus abalou os alicerces de Roma com um bando de descamisados. A Palavra transformada é uma arma que não fere, mas muda a vida das pessoas.
Vem de muito longe a ideia de que a arte é fermento para a desordem, porque há por parte dos governos totalitários o imperativo desejo de impedir manifestações artísticas. Nenhum sobreviveu. Nem mesmo o Império romano com todo seu poderio, que na época amedrontava a terra, sobreviveu à força silenciosa da palavra.
Por considerar que incitavam a consciência renovadora, o ditador Getúlio Vargas mandou queimar obras de José Lins do Rego, Jorge Amado e de outros escritores, agentes do saber que defendiam acessos ao conhecimento e a renovação de mentalidades.
Estas passagens me acodem quando numa noite de pausa nas leituras, recebo mensagem de um amigo que é apaixonado por bibliotecas, desses que se dispõe a organizar montanhas de livros de modo que facilite o acesso dos leitores. Mostrava-se preocupado porque cada vez mais os governantes revelam o desprezo pelas bibliotecas. Os municípios já não se preocupam em instalar biblioteca pública. O que deveria ser o contrário.
Entre nós temos dedicados homens que trocam sua vida pelos livros, fazendo do seu espaço uma casa do saber, as paredes perdendo a feição de tijolos para se transformarem no mundo da imaginação.
Em décadas passadas, em nossa cidade, tivemos alguns entusiastas pelos livros que transformaram suas casas em moradas de histórias. Reunir livros em tornos de si era como recolher pedras preciosas. Uma dessas pessoas era o jornalista Waldemar Duarte que recolhia pelos corredores de sua casa as obras literárias que chegavam às suas mãos, deixando-nos receosos de andar por entre as pilhas de livros que cuidava com esmero.
Em mais de cinquenta anos convivendo com a literatura, o poeta e crítico literário Hildeberto Barbosa Filho caminha por entre seus dezoito mil livros com desenvoltura, capaz de retirar um da estante sem embaraço para conferir uma frase, um poema, recordar uma passagem de algum romance.
O bibliotecário Marcos Rodrigues é um cavaleiro solitário a andar pelos municípios animando a reestruturação das bibliotecas, removendo dos campanários das cidades os moinhos de vento construídos pelos agentes públicos. Luta renhida, mas silenciosamente reconstrói um mundo onde as pessoas, sobretudo os jovens, haverão de agradecer porque chegaram até eles essas preciosidades.
Mesmo que os tiranos ateiem fogo nas montanhas de obras literárias, estes nunca conseguirão retirar da memória das pessoas a semente de mostarda que os livros plantaram. Sempre haverá alguém que guardará um livro como recordação. Mesmo que demore a ser descoberto, guardará um registro da história da humanidade.
As bibliotecas sempre serão refúgios silenciosos.