O bode
o que escrever sobre o bode?
compor-lhe uma ode?
dizer que o seus chifres
despontam na testa
como duas raízes
brotando da terra?
que é irmão siamês
dos seixos, da poeira,
das pedras?
que é duro na queda?
que o bode é antes de tudo um forte?
ou que, quando bale,
é todo ternura,
torrão de açúcar
desmanchando-se em candura?
Cemitério de automóveis
não me comovem
as insepultas carcaças
dos automóveis,
mas quão céleres
os passageiros
se precipitam
no despenhadeiro
dos breves dias sem freio.
O caranguejo
elmo de um guerreiro medievo.
estojo de um par
de olhos
em riste
como dois dedos míopes,
quase cegos,
tateando pelo avesso
um mundo destro.
ser dialético, canhoto,
osso e carne,
bicho barroco,
vive entre o ser e o não ser.
em terra firme,
no mangue
ou no mar alto,
radiografia de um esqueleto acuado.