Passamos a vida inventando coisas que não pre- cisamos e depois ficamos dependentes delas. Inven- tamos coisas para poupar nossa energia e depois vamos gastar essa energia poupada numa academia.
Juntamos dinheiro ganho à custa de trabalho, para garantir cuidados com a saúde que estraga- mos, trabalhando mais que o necessário, competin- do pelo cargo, em busca de um tal sucesso.
Aprendemos que o corpo é uma máquina. De produzir, de reproduzir, de desempenhar, de representar. O corpo é um brinquedo, como sabem as crianças. Dizia Galeano, “o corpo é uma festa”.
Tirando os tambores, pouca coisa boa inventa- mos, além da capacidade de criar o fogo, e talvez a roda, o princípio da confusão toda.
Tiramos a fruta do pé e botamos na lata. A fruta do pé não faz mal a ninguém. Já a da lata... É bem verdade que o homem das cavernas morria bem novinho. E a gente inventou um jeito de cuidar dos dentes. Dentes que a gente estragou comendo a fruta da lata.
Tá certo que a gente inventou os antidepressivos. Mas a depressão foi inventada primeiro, tá cer- to? Senão como iríamos vender antidepressivos?
A beleza foi a gente quem inventou também. Assim como a feiura. O chato foi dar a essas coisas um lugar de superioridade ou inferioridade. Aliás, a maior das estupidezes, a que confere poder. Não há maior aberração que um homem ter poder sobre outro. Mesmo sobre um bicho. Um cavalo correndo livre sempre será mais belo que um adestrado. Um pássaro será sempre mais bonito voando no céu ou pousado na árvore. Gaiola nunca foi palco.
É sempre mais belo o homem dançando que apertando botões.
Sim, criamos formas fantásticas de comunicação. Eliminamos as distâncias entre as pessoas do planeta. Por que isso não eliminou a epidemia da solidão?
Simplesmente porque não nos reunimos mais na praça da tribo, ao luar, em volta da fogueira, comendo milho assado, contando histórias de deuses imaginários, cantando músicas ao som de palmas.
Estamos tentando inventar uma forma de dar fim à morte, sem saber o que fazer da vida, a não ser driblar a morte, mas não sabemos apreciar o envelhecimento e nem cuidar dos velhos.
Buscamos uma tal de autonomia. A maior das ilusões. E liberdade, a outra grande ilusão. Não há liberdade que não nos escravize a algo.
Entendemos cada vez mais de sexo. Pronuncia- mos corretamente a palavra clitóris, criamos a democracia do orgasmo, descobrimos o ponto “G”, mas continuamos inocentes com relação ao amor. E nos distanciando cada vez mais dele.
Temos instrumentos eficientes para produzir conhecimento, para sair das trevas da ignorância, mas não demos fim ao preconceito, que é a forma mais bruta da ignorância.
Lutamos para ter privacidade e expomos a nos- sa intimidade nas redes sociais.
Reagimos com “emojis” quando alguém posta o vídeo do cãozinho que foi resgatado, da árvore cortada, da criança abandonada. Mas passamos apáticos pelo cãozinho de rua ou pelo menino dormindo na calçada. E reclamamos do calor, sem lembrar da árvore que não está mais ali, dando sombra fresquinha.
Sabemos e não fazemos. Casas de ferreiro, es- petos de pau.
Pelo menos temos o vinho. E a medicina que permite tomar uma (ou duas) taças por dia.
E temos a arte, que dá sentido a tudo. Que salva da aridez, que conecta, que revela.