Os cachorrinhos de apartamentos, felpudos e perfumados é só o que a gente vê nas calçadas das avenidas Tamandaré e Cabo Branco. Suas donas os tratam como filhos. E elas são tão pacientes que chegam a esperar que eles façam xixi nos postes. Vejam até que ponto chega o amor pelos animais..
E os vira-latas? Como gosto deles. De sua liberdade, de sua autenticidade, de sua filosofia. Vivem sua vida de marginal sem incomodar ninguém. E muitas vezes são repelidos ou apedrejados pelos estúpidos, tão mal compreendidos por muita gente. Certo dia, vi uma senhora enxotando um humilde marginal canino que caminhava pacificamente pela calçada. Um gesto áspero e grosseiro que definiu bem sua personalidade. Vá ver que ela viu no cachorro o marido, de quem não gosta mais...
Nunca me esqueci de um gesto do pianista Gerardo Parente, meu vizinho. Ele estava, na porta de sua casa, por sinal uma bela casa, dando comida a um vira-lata da rua, num prato. O fato me comoveu. Ao invés de enxotar o animalzinho, como fazem muitos, ele procurava alimentá-lo como se tratasse de uma pessoa.
Faz tempo que ele se foi deste mundo, mas, decerto, continua alegrando o outro lado com a sua música e a sua bondade. Só o cachorrinho é que não viu mais o portão daquela casa abrir-se para ele…
Uma coisa que mais me chamou a atenção em algumas cidades civilizadas foram os cães passeando livremente pelas avenidas e praças, muito respeitados e bem tratados pelo povo. A exemplo dos cães da Atenas de Sócrates, que ao que fui informado, são protegidos pelo Estado, e ainda trazem no pescoço uma placa oficial identificadora. Vi e acariciei muitos. Não sei se no tempo do filósofo eles viviam perambulando pelas ruas. E ai de quem tratar mal um desses animais. Ser-lhe-á, sem dúvida, aplicada uma multa. Creio que a mesma coisa acontece na Índia, onde a vaca tem livre trânsito na via pública. Ela é tida como sagrada. Eis aí um culto que respeito e admiro.
Agora me veio à memória turística que nos restaurantes de Paris os cães entram acompanhados de seus donos, e ninguém diz nada. Alguns chegam até a ficar sentados na cadeira e se comportam muito bem. Vem-me, também, neste momento, uma frase de autoria do escritor Frank Deford, que Germano andou me mostrando, um dia desses: “Pode-se ficar conhecendo tudo de um povo só pela maneira como ele trata os animais e as praias.” – uma grande verdade.
Pouquíssimas são as pessoas que amam os bichos como se fossem gente. Há muita gente que é indiferente ou trata mal os animais chamados inferiores. Que só recebem pontapés ao invés de carinho. Ângela Bezerra de Castro, nossa culta intérprete do fenômeno literário, uma mestra que muito respeito nos infunde e cujos olhos vêem longe, tem um sorriso muito mais bonito do que o da Mona Lisa. Ângela foi capaz de chorar pela morte de sua gatinha de estimação. Uma gatinha que ela encontrou abandonada, e adotou, desde o tempo em que trabalhava na Esma, com quem conversava, todos os dias, que, muitas vezes, atenuava sua solidão de intelectual e pensadora. E isto só fez crescer minha admiração por ela, que tem uma sensibilidade fora do comum.
(excertos de crônicas)