(Odilon Ribeiro Coutinho)
A largueza de abertura do ângulo de visão crítica de Ângela Bezerra de Castro se configura no denso ensaio de análise literária que é "Releitura de A Bagaceira".
Percorrendo os itinerários, atalhos e desvios da Fortuna Crítica do livro clássico de José Américo, a ensaísta constata que "interpõem-se — não raramente — entre o leitor e o romance, conclusões "críticas" e "verdades" históricas desnorteadoras. "Críticas" e "verdades" estranhas ao texto. Que obscurecem o projeto poético... Mas que se vão repetindo, em alguns casos, desde a publicação do romance...
Há "verdades" praticamente sacramentadas, que, de tão repetidas, segundo a escritora, "se transformam em obstáculos à compreensão totalizadora do romance". "Verdades" que precisam ser refutadas a fim de que o texto de "A Bagaceira", sufocado, possa emergir pela ação reveladora da linguagem".
A "Releitura" se iniciava, desse modo, segundo o roteiro que Ângela se traçou, por uma "leitura das leituras e, nesta revisão crítica, reler o chamado romance marco do Moderno Regionalismo." O trajeto ao longo das "críticas" e "verdades", a "leitura das leituras" que determinaram a visão convencionalmente estabelecida, uma espécie de establishment conceitual de "A Bagaceira" foi revisitado por Ângela Bezerra de Castro.
E o astrolábio, permanentemente voltado para as cintilações do firmamento teórico, que a guiou nessa travessia, foi sempre o texto do romance, naquelas categorias que Eduardo Portella, citado por Ângela, chamou de "fundadoras". O propósito da autora da "Releitura de A Bagaceira" foi plenamente atingido.
Depois desse livro, reviu-se inteiramente a visão crítica do grande romance e corrigiram-se as distorções históricas que abafavam a expressão verdadeira dessa obra marcante. O trabalho de Ângela Bezerra de Castro, firmou-se como a mais lúcida e arguta abordagem da criação ficcional de José Américo.
Como ela própria definiu, tratou-se de uma aprendizagem de desaprender: de desaprender o que tinha sido ensinado errado. Não hesito em afirmar que foi o esforço de desmitificação mais notável que a crítica brasileira já realizou e o melhor ensaio já escrito sobre "A Bagaceira".
Mas, é preciso acrescentar que desvendando as intenções mais recônditas desse romance, Ângela revelou toda a substância íntima da chamada literatura regionalista, levantando o véu que ainda toldava alguns aspectos do processo de denúncia social que ela intentou.
Convém recordar o diálogo havido entre ela e José Américo sobre as dissonâncias da crítica com relação a "A Bagaceira". Em determinado ponto, Ângela desabafou: - "Ministro, não consigo ler "A Bagaceira", conforme o entendimento da crítica. Acho que seu livro se diminui, visto como um romance da seca". E o grande homem, depois de alguns instantes de reflexão: - "Pois confie na sua intuição."
(excerto de "Um ponto no infinito contínuo")