(Marília Arnaud)
(sobre o romance “Com armas sonolentas")
Há alguns anos, eu e uma amiga viajamos ao Peru com um grupo formado por Xamãs baianos e simpatizantes do Xamanismo. Depois de alguns dias na Ilha de Amantani (Lago Titicaca), e antes de iniciarmos a trilha para Macchu Picchu, participei (minha amiga não quis me acompanhar) de um ritual xamânico. Durante toda uma noite, em torno de uma fogueira gigante, numa clareira da floresta ao pé da cordilheira, tive o que acredito ter sido a experiência mais mágica e impressionante da minha vida (e olha que eu já vivi pra caramba!).
Poderia descrever aqui o que vi, ouvi e senti durante aquela longa noite, depois de haver bebido apenas três dedinhos de ayauasca, um chá que altera a consciência psíquica de quem o ingere.
Partindo dessa experiência, foi possível reconhecer, no romance de Carola Saavedra, “Com armas sonolentas”, a presença de muitos signos xamânicos, a começar pelo título, um verso do poema “primero sueno”, da Sor Juan Inés de la Cruz. Sim, através do sono/sonho (induzido ou não), numa viagem pelo rio sem margens do inconsciente, é possível acessar “entendimentos que não passam pela razão”, iluminações do espírito, armas capazes de transformar, curar, fortalecer.
Comprei "Com armas sonolentas" há mais de um ano, mas, como não costumo furar a fila dos livros a serem lidos (e são muitos!!!), somente agora pude me deliciar com a sua leitura. E que leitura! Confesso que comecei a lê-lo no início de uma noite, e tendo sido obrigada a largá-lo por volta de uma da manhã, lamentei ter que ir trabalhar mais tarde ao invés de continuar a leitura, que só pude retomar àquela noite. É um romance instigante e surpreendente, daqueles que nos obrigam a parar para refletir, que nos ensinam sobre a vida e as pessoas, quando achamos que já sabemos tanto, particularmente sobre identidade, maternidade, herança genética e emocional, cultura indígena, estados alterados de consciência, sobre a circularidade e a infinitude do tempo e da vida (fita de Moebius).
Usando simbologias do universo ameríndio (capivara, ritual do charuto, bebida fermentada com a saliva feminina, cânticos etc.), Carola nos conta de Anna, Maiki e Avó, meninas/mulheres que no decorrer da história vão se mostrando intimamente interligadas, e que, em suas buscas e desamparos, nos conduzem por um inquietante passeio entre o mundo físico (lado de fora – primeira parte do romance) e o mundo invisível (parte de dentro – segunda parte), o real e o irreal, a lucidez e a loucura.
Uma história inquietante. Um romance extremamente bem construído.
Parabéns, Carola! Seu romance me desafia e me encoraja a seguir trilhando os caminhos da escritura.