Devíamos agradecer ao ouvidor-geral Martim Leitão pela escolha do lugar onde mandou erguer o forte e, subindo a colina, a cidade do edito real. Não houvesse ele chegado em novembro, pleno verão, poderíamos supor que tivesse atravessado o ribeirão do Jaguaribe e alcançado o Cabo Branco em dia de forte chuva. Encharcado, sem poder trotear no areal pedregoso das restingas, o lendário fundador só poderia ter se fixado na “planície de mais de meia légua, muito chã, de todas as partes cercada d’água”.
Mas água que não afoga, que encontra logo o caminho do mar ou do rio. Planície muito chã - assim descrita pelo frade que abriu caminho para a nossa História - livra-se em meia hora de uma noite inteira de chuva, ao contrário do Recife, fundado entre rio e maré por alguém que não a escolhera como morada para toda a vida.
Nisso os portugueses eram insuperáveis, manjados na experiência de ilhas e continentes como plantadores centenários de cidades.
Aqui, podiam ter começado pela península de Cabedelo, ao lado do forte. Mas nada garantia que a cidade não ficasse vulnerável aos surtos do índio e do corsário. Penetraram rio acima e só quando a colina se pronunciou alta e sobranceira, muito acima das águas e das armas, resolveram ordenar a fundação do casario, a começar pela capela matriz, no mesmo lugar da basílica de hoje.
Ficamos, pois, a salvo da enchente. Pelo menos até os limites urbanos traçados pelo ouvidor, seguidos e pela primeira vez planejados, trezentos anos depois, pelo administrador ainda hoje frequentando a memória histórica, Henrique de Beaurepaire Rohan.
O ponto fraco, que era a Lagoa, bacia das águas de inverno dos bairros que a rodeavam, foi urbanizado e convertido, numa quadra próspera de lavouras de exportação, no cartão postal da cidade modernizada. E como tivemos sorte, nisto! Já que se iria cavar um escoadouro para as do entorno, que se transformasse a grande bacia numa praça especial, num parque já visto como dos mais belos do mundo. Saturnino de Brito, a quem devemos o primeiro sistema de galerias e de esgotos, faz referências, na justificação do seu projeto, à “incolumidade da Capital da Paraíba aos flagelos da chuva e da maré.” Diz isso, dando uma de modesto, quando lhe elogiam a eficiência do sistema que implantara. “A topografia da cidade ajuda muito” – alegava.
É bom lembrar, entretanto, que a cidade inicial se limitava às bordas da colina, tendo Jaguaribe e Cruz das Armas como estrada. Nos anos 20, a balaustrada de Trincheiras era um ornamento urbano abrindo vista para o vale verde onde hoje escorrega a favela que, por absurdo, ganhou o nome de Saturnino de Brito, símbolo ou marco da modernização.
Vale verde, dizia Coriolano; anfiteatro, batiza José Américo. Anfiteatro e vale verde que são hoje, dali da balaustrada, um atentado aos foros cultos de um Camilo de Holanda, que tanto fez por uma João Pessoa bonita, ornada de lavores, moderna. Como paga, haviam surrupiado o pincenê da estátua e, para fechar, levaram agora o bronze inteiro. Resta só o pedestal em meio à ruína.