(Sérgio de Castro Pinto)
sem fórmula
não piso a embreagem,
piso a paisagem
e a ponho em primeira,
segunda, terceira e quarta
de segunda a sexta.
(às vezes dou-lhe ré,
mas ela sempre me escapa).
aos sábados e domingos
deixo-me ficar em ponto morto
diante dessas fotos já sem cor:
paisagens vistas de um retrovisor?
os retratos dos avós
as gravatas enforcam
as palavras dos avós
e se mais tento o diálogo
mais se apertam os nós
dos avós que se enforcam
de cabeça para baixo
presos aos seus silêncios
cientes dos seus recatos
de que não podem falar
sobre o que foi viajado
e da distância que há
entre o neto e seus retratos
burocrata
um jeito botânico
de quem cultiva folhas
de papel carbono.
de quem as enxerta
nos gestos e na fala.
de quem arvora
no caule do silêncio
de quem cala,
uma primavera burocrática.
quase em braille
míope, extravio
viagens
em valises
e a cidade tateio
quase em braille.
míope, não sei
em que lentes
deixei esquecidas
as antigas paisagens.
(poemas de "O Cristal dos Verões")