(Chico Viana)
Há de tudo neste mundo. Li na internet a entrevista de uma estilista alemã especializada em roupas para defuntos. A princípio achei a idéia esquisita, depois me dei conta de que não é tão absurda assim. Ninguém se enterra nu; logo, não é irrelevante que o indivíduo se preocupe com a roupa com a qual vai adentrar a última morada.
Talvez só os muito vaidosos dêem importância a isso. Para a grande maioria, pouco importa o que vestir no caixão. Esse pouco caso teria a ver com o que Machado chama de “o desdém dos defuntos”, que envolve a moda e todo o resto.
A estilista mostra, no entanto, que é muito importante escolher a roupa adequada a ocasião tão especial. Afinal de contas, vai-se passar o resto da vida (ou melhor, da morte) com ela. O apuro com que o defunto está vestido concorre para a imagem que ele vai legar aos parentes e amigos. É preciso evitar comentários do tipo: “Viu que desleixado? Nem morto soube se arrumar”.
Um dos inconvenientes de não escolhermos a própria mortalha, segundo a entrevistada, é que corremos o risco de ser enterrados com uma roupa que não nos agrada. Aquela camisa berrante, aquele paletó apertado, aquela cueca áspera que roça e avermelha as virilhas.
Para evitar esse tipo de constrangimento, é melhor definir o figurino e deixá-lo no guarda-roupa. Assim como existe a indumentária do trabalho e a do domingo, existe a do repouso eterno. Ela ficaria ali, esperando o momento de entrar em cena. E indiretamente nos soaria como uma advertência sobre a efemeridade da vida.
A estilista já escolheu o que vai usar, e faz questão de dar sugestões aos clientes. O ideal é que o tecido seja leve, simples, despojado. Por dois motivos. Primeiro, porque lá embaixo faz calor. Segundo, porque não convém nessa delicada e misteriosa viagem sugerir arrogância. A vestimenta simples indica humildade de espírito, atributo sumamente desejável em quem vai se submeter ao julgamento eterno.