(Carlos Cordeiro) “Algumas coisas boas às vezes são ótimas”. Assim se expressaria o velho Conselheiro Acácio. Recorro a ele para dizer que a...

Um certo Carlos, cronista


(Carlos Cordeiro)

“Algumas coisas boas às vezes são ótimas”. Assim se expressaria o velho Conselheiro Acácio. Recorro a ele para dizer que as crônicas do Carlos, publicadas em seu blog - agora felizmente reaparecido por obra do seu filho Germano, como justíssima homenagem ao nosso cronista maior – estão nessa assertiva acaciana. Esclareço que a pecaminosa associação do nome de Carlos à imbecilidade conselheiral é apenas uma brincadeira de quem tem talento escasso, pois não existe ninguém menos acaciano que o Carlos.

Na verdade, ele é exatamente o oposto - em vez das frases bombásticas e vazias que Eça habilmente dependurou nos lábios inertes do Acácio, encontramos no texto do Carlos uma “simplicidade profunda” – uma capacidade de falar de coisas que transcendem o raciocínio diário e comum por meio de frases e raciocínios de aparência semelhante. Uma “superficialidade profunda” (perdoem o oximoro) que esconde magicamente um mergulho no pensamento mais profundo, tarefa que não é para qualquer um. E nisso ele está, por exemplo, com Santo Agostinho, que em suas Confissões soube acondicionar tão destramente sofisticadas reflexões metafísicas em um texto leve, gracioso, de comovente simplicidade.

A gente sabe se o escritor é bom quando vez por outra acorre à nossa lembrança alguma frase, um pensamento, uma descoberta, que lemos uma vez e ficou para sempre impregnada na memória, para nos acudir em nossos momentos de perplexidade filosófica ante a aparência desconcertante de um mundo tão violento, injusto e desonesto em que nos foi concedido viver para apurarmos o caldo grosso de nossa vida cheia de pecados. Falando assim, parece que estou a dizer que o Carlos era um moralista intransigente, inflexível na condenação dos defeitos humanos e incapaz de ver na natureza simples e colorida que nos cerca um cenário preparado por Deus para aliviar-nos na pesada tarefa de viver.

Quantas vezes, ao ler suas crônicas, peguei-me surpreendido com sua capacidade de ver nos coqueirais de Tambaú, numa simples florzinha do mato, na brisa do mar que abençoa seu ninho fincado nos contrafortes do Cabo Branco, revelações de uma verdade maior, que só os artistas, seres antenados, conseguem captar e transmitir. A quem comparar o escritor Carlos, que literatura pode ser semelhante à sua, na beleza, na acuidade, na plácida sensibilidade? Há muitos, e não vou cansar algum caridoso leitor que tenha me acompanhado até aqui, com listas de falsa erudição e risco de omissões criminosas. Nem precisamos sair da Paraíba para encontrar seus símiles. Ocorre-me de pronto José Lins do Rego. Basta este para ajudar-me nesta comparação de estilo, de sensibilidade e de beleza.

Soube agora que sua companheira e irmã de alma Alaurinda, artista de sensibilidade igualmente refinada, está compondo uma espécie de “Espaço Carlos Cronista” (criei esse título por puro enxerimento, ninguém mo pediu), ao recompor com a indispensável colaboração do Germano, os lugares onde ele viveu seus momentos de intimidade familiar, seus longos colóquios com os artistas de sua predileção, às vezes na biblioteca, outras no aconchego de seu canto predileto. Grande, inestimável Carlos. Lembrei-me de parafrasear um texto sobre Guimarães Rosa escrito pelo Drummond: “O Carlos Romero existiu mesmo, de se pegar?”


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