Decorridos quase 90 anos, fica fácil a um dos meus interlocutores do Ponto de Cem Réis questionar o nome de João Pessoa dado em setembro de 30 à cidade. E pior, atribuir a esse nome o emperro na Projeção turística merecida. “É esse nome que atrapalha” – insiste-se.
Mas por que João Pessoa atrapalha se Florianópolis (em homenagem a Floriano Peixoto) não atrapalha? Sem falar noutras cidades grandes e pequenas com nome que a maioria motivada, comovida consagrou?
No nosso caso, este batismo é o único nascido efetivamente de vontade autóctone, paraibana, fruto da espontânea comoção popular, sobretudo de sua mocidade. Dos restantes topônimos, o que não veio imposto de fora (Filipeia, Frederice) foi Parahyba, que por vir do rio o historiador José Leal queria o Estado no masculino, Estado do Paraíba, como Estado do Rio de Janeiro.
Nascida de sua mocidade? Sim, da mocidade livre das escolas lideradas, na capital, pela ala feminina, pelas meninas da Escola Normal, do Colégio das Neves, que antecipavam um momento especial da projeção da mulher em sonhos de emancipação cultural e social. Nos jornais e revistas dos anos 1930, sobretudo nas revistas e almanaques do gosto da época, a frequência da mulher em suas páginas emula com a dos varões. Desde a “Era Nova” dos anos 1920 que as Analyce Caldas e Eudésia Vieira ganhavam espaço.
E o fervor político de 1930 dispôs desse arrojo trazido às ruas pelas mulheres do povo. Celso Furtado, menino de poucos anos, vem dar esse testemunho em suas memórias. As mulheres eram o maior contingente nas passeatas e procissões que beiravam a sua janela da General Osório, rua que terminou encenando o capítulo inicial do romance de outro menino que descobria o mundo e a paixão desvairada dos seus moradores por um dos postigos que filtravam o tumulto o Virginius da Gama e Melo em seu “Tempo de Vingança”.
E se faltassem outros testemunhos mais vivos desse protagonismo límpido, sem interesses subalternos da mulher, recorra-se ao de d. Olívia Athayde, com seus 102 anos, em entrevista à “A União” de quinze anos atrás. Ela que falou pela juventude na hora em que o presidente Álvaro de Carvalho sancionava a lei que dava nome cívico, verdadeiramente cívico, à capital. No ato do Teatro Santa Roza falaram apenas o deputado Lima Mindelo, representando a Assembleia Legislativa, a senhorita Olívia Athayde, e o governador. A voz incitante do apelo feminino deu força à assinatura do chefe do Executivo paraibano, um catedrático do Liceu, homem de pensamento e de letras, fundador da nossa Academia de Letras, até ali ainda um tanto relutante:
“Proclamo que estais, nesta hora histórica, sendo um distinguido paraibano. Andais, quanto possível, de acordo com o povo. E é isto, precisamente, o que o povo quer. (...) Contai conosco e não leveis a mal uma solicitação de nossa brava gente. A Paraíba nova deu o nome de João Pessoa à nossa linda capital. Nós esperamos, exmo. sr. presidente, o vosso apoio moral para a bandeira com as cores do heroísmo e do sacrifício – rubro e negro”.
Não foi sem motivo que Celso Furtado, homem de emoções depuradas, não se comportou muito diferente da jovem que falava em nome das normalistas: “O assassínio brutal desse homem (...) provocou uma tal angústia coletiva que ainda hoje não posso recordar sem me emocionar. Várias vezes acompanhei aquelas domésticas em longas procissões (...) seguindo um andor sobre o qual ia uma fotografia de João Pessoa de corpo inteiro”.
Não foi um batismo de cima para baixo, imposto pelo rei ou pelo general vencedor.