(José Nunes) No livro “O Idiota”, uma das obras-primas da literatura universal escrita pelo russo Fiodor Dostoievski, encontra-se a frase qu...

A beleza salvará o mundo


(José Nunes)

No livro “O Idiota”, uma das obras-primas da literatura universal escrita pelo russo Fiodor Dostoievski, encontra-se a frase que remete à mediação da beleza como princípio para salvar o mundo. Os gregos apontavam nessa direção do belo como fundamental à união das pessoas num único sentido da vida, da mão estendida na mesma direção. Foi com esse sentimento que há dois mil anos Jesus, que viveu nas terras áridas da Galileia, propunha o ensinamento da fraternidade.

“A beleza salvará o mundo”, escreveu o autor russo acreditando que seria possível harmonizar os sentimentos humanos de partilha. Mais tarde, retornaria a esse mesmo tema no romance “Os irmãos Karamazov”, aprofundando a questão do relacionamento harmonioso entre as pessoas como forma de conquistar a paz.

Na história por ele narrada no livro “O Idiota”, um ateu questiona como o mundo seria salvo pela beleza, ao que o príncipe Mynski nada responde, no entanto, fica junto a um moço de 18 anos que agoniza no leito da morte, cheio de compaixão, silencioso até este expirar. Gesto de profunda beleza, de amor ao próximo no momento da extrema dor, provando que atitude dessa natureza ajudará a salvar o mundo.

O romancista russo achava que belo era não roubar a dignidade dos outros, ter um espírito dominador, consumista. Repetia que “seguramente não podemos viver sem pão, mas também é impossível existir sem beleza”.

Também quando lemos ou contemplamos uma obra de arte, seja uma pintura, um poema, uma fotografia, por exemplo, captamos o alimento para nossa alma e, abastecidos do belo, somos impulsionados a conduzir outras pessoas para vivenciar o mesmo sentimento e, lentamente, ajudando a formar a paisagem da harmonia entre nossos semelhantes.

Criei-me num sítio onde vivíamos no mesmo nível de pobreza, as famílias partilhavam-se na mesma dor, repartindo a nesga de mistura para deixar saboroso o prato com feijão e farinha. Na dor e na angústia estávamos juntos e chamávamos de “de belo gesto” quando alguém ajudava o desprovido de alimento, sobretudo da alimentação. A cuia com farinha, o punhado de açúcar, sal ou café trazia alívio à fome e expunha a beleza daquele gesto.

Reconheço quanta beleza nos gestos que nossos vizinhos protagonizaram quando a cacimba deixou de fornecer água, a lavoura não brotou, com dias em que a panela ficava vazia na trempe, salvando-nos da aflição do estômago vazio.

Jesus implantou na alma das pessoas que a generosidade dos gestos nos faz irmãos todos os povos, deixando a lição de que a beleza está acima do estético e que possui uma grandeza moral e religiosa. O belo está expresso quando não se litigia a Deus, mas quando se vence o mal.

O belo não está na formosura do corpo que atende ao apelo do marketing, mas nos gestos que transformam e moldam o relacionamento humano. A flor nasce sem desejar ser contemplada, mas paramos para olhar e admirá-la por menor que seja. A flor é bela porque já nasceu assim, e nos fascinamos quando a contemplamos.


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