Ela fez coisas extraordinárias: Fez um de seus partos, sozinha. Quando a parteira chegou, bastou cortar o umbigo do menino. Candidatou-se a um concurso público federal de telegrafista e tirou primeiro lugar, isto numa época em que era censurada a mulher empregada fora de casa. O preconceito da época era mulher dentro de casa para tratar do marido e cuidar dos filhos. Ela fez concurso para os Correios e Telégrafos e se saiu muito bem. Nasceu na cidadezinha de Canafístula, que terminou se chamando Caldas Brandão, mudança que ela não gostou. Canafístula é o nome de uma planta.
Foi a primeira mulher a cortar o cabelo comprido, muito usado na época, e passou a usá-lo curto. Veio à Capital, gostou da novidade, e novidade era com ela, ei-la em plena moda. Todas as mulheres de Alagoa Nova depois a imitaram. Imitaram dona Piinha. Sim, este era o seu nome, Pia, nome que ela dizia ser “de rainha”.
Não demorou muito e dona Piinha veio morar em João Pessoa, onde se deu muito bem e onde teve a segunda filha, Iracema.
Como filho, não sei como agradecer a ela tudo que sou e tudo o que ela fez por mim. Fui seu caçula por muito tempo. Cem por cento mulher das letras, ela era uma exímia decifradora de charadas e palavras cruzadas. E o de que ela gostava mesmo era de contar histórias para eu ouvir. Seu repertório era rico.
Saiu deste mundo com mais de cem anos. Fumou muito quando era mocinha, mas largou o vício logo. Dizia que o fumo sujava os dedos e os pulmões. Regime: comia pouco e nunca dispensou o suco de cenoura com laranja e beterraba, toda manhã.
Admirável era o seu otimismo. Sempre com o sorriso nos lábios. Um dia, chegou a estirar a língua para o espelho, que não lhe mostrava uma boa aparência.
Otimista por natureza, sempre risonha, ela não gostava daqueles velhos relaxados, que não se cuidavam. Daí costumava dizer: “Velhice quer trato”.
E ela caprichava no rosto, no vestido, no cabelo, no seu saudável modo de ser. Tristeza demorava pouco em seu espírito.
Outra coisa: Dona Pia não conhecia o medo. Sempre confiante na vida, sempre ouvindo os grandes mestres da música, muitas vezes vi lágrimas molhando o seu rosto enrugado. Música, sobretudo a de Chopin e Beethoven.
Maria Pia foi tudo na minha vida. Mãe, amiga, professora, uma mulher de muita fé. Não tinha medo da vida, não tinha medo da morte. Só tinha medo, e muito medo, era de rato. Avistava um rato, e ei-la trepada numa cadeira.
Minha mãe não foi mãe. Foi um anjo. Um anjo caído do céu por descuido...