Além dessas histórias de fadas e bruxas, vez por outra, vinha com uma leitura mais séria. Narrou-me trechos do “Menino de Engenho” do nosso José Lins do Rego, depois veio com “Doidinho” e assim por diante. E como sabia interpretar os personagens das histórias que contava! Imitava a voz de uma bruxa, de um animal de uma Branca de Neves, e até de uma sereia.
Mas, uma vez, ela me surpreendeu com uma leitura séria, cientifica, sobre a importância da alimentação, dos cuidados com o corpo, do perigo do fumo.
Lembro da história de um homem ignorante, do bicho Tiemunzenga, que morava no sítio do diabo. Só o nome dá para assustar. A história mais dramática era a da velha feiticeira, que terminou sendo queimada pelos netos. As chamas devorando-lhe a carne, e a feiticeira gritando: "Água, meus netinhos". E estes, sorrindo, só faziam dizer: "Azeite, senhora vó”.
Havia também aquela história de João e Maria, que saíram para a floresta, jogando milhos no chão, a fim de acertarem o caminho de volta. Mas chegaram os passarinhos e comeram o milho... Perdidos, os meninos choravam. E o choro chegou também aos nossos olhos. Mas, no final da história, minha mãe, sorrindo, nos consolava: “É tudo mentira”. E vinha aquela reiterada recomendação: "Vão rezar e dormir.”.
E aquela história de um menino que não queria estudar e terminou na miséria? Esta arrancou lágrimas da gente. Ao mesmo tempo serviu de advertência aos que não estudam, que não leem livros. Por fim, a bela história de Branca de Neve e os 7 anões, que muito nos comoveu.
Como minha mãe sabia interpretar os personagens das histórias que narrava!... E o bom mesmo era quando eu adoecia com asma, doença que tanto me torturou. Ela passava horas e horas comigo, na cama, eu ardendo de febre e respirando com muita dificuldade. Tanto era o carinho materno, que eu cheguei a gostar da doença...
Minha mãe era assim. Uma mulher extraordinária. Trabalhadora, otimista, corajosa, inteligente e culta. E muito bonita, mesmo com a idade avançada. Como já disse, ela cuidava muito da aparência. E dizia que deveríamos, vez por outra, dar uma olhadela no espelho, que não mente.
Morreu dormindo. Decerto, despertou para a vida espiritual com aquele seu habitual sorriso de ternura e de otimismo.
Dona Pia, Maria Pia, dona Piinha para os íntimos. Das frutas, a que mais apreciava era a pinha. E dizia, sorrindo, “gosto desta fruta não só pelo sabor, mas também por ter o meu nome”...
A esta altura já devem estar indagando: “e seu pai?” Meu pai, José Augusto Romero, de quem já falei em crônicas anteriores, se harmonizou muito bem com a esposa, inobstante a diferença de temperamentos. Ele, meio introspectivo, ela expansiva. Ele preocupado com os grandes problemas da vida, ela vivendo o “aqui e o agora”. Ela mais imanente, ele transcendente.
E eu feliz por tê-los como pais, cada um com o seu estilo de vida. Ambos souberam desempenhar, com muita responsabilidade, a tarefa que Deus que lhes confiou.
Mas antes de concluir a crônica, que tal um lenço para enxugar as lágrimas do cronista? Ainda bem que começou a chover. Minhas lágrimas se misturam com as lágrimas que caem do céu...