Já estou ouvindo ela dizer: “para que estar contando essas coisas para o jornal?" E haja muxoxo. Mas pouco importa, pois sua existência foi um curso de fé na vida.
Nasceu numa terra chamada Canafístula, aqui perto de Pilar. Nome que depois foi mudado para Caldas Brandão, um político, o que a fez fazer não sei quantos muxoxos de protesto. “Canafístula, o nome de uma árvore”...
Mas vamos a dona Pia, nome que ela mudou para Maria Pia. E me dizia, sorrindo: "nome de rainha" Casou-se muito moça com Alfredo de Barros, que morreu jovem, devido a uma pancada de vento, manhã cedo, ao abrir a porta. Dele teve dois filhos: Alfredo e Eudes, que foi poeta, jornalista e escritor.
Com dois filhos e muito bonita, sua viuvez durou pouco. Seu pai Vicente, negociante e tocador de clarinete, desejava que ela se casasse logo. Minha mãe, inimiga da ociosidade, inteligente e corajosa, tratou logo de arranjar um emprego federal, mediante concurso, isto numa época em a mulher, por força dos preconceitos, não deveria trabalhar fora de casa. Dona Pia fez concurso para telegrafista. E a viuvez não demorou muito. Logo lhe apareceu um homem muito elegante, bonito e culto. Era o meu pai, José Augusto Romero, que foi agricultor, dedicando-se ao plantio e colheita do café, para depois se tornar professor, preparando os jovens para o exame de admissão no tradicional Lyceu Paraibano.
Meu pai, como já contei, foi seminarista. Depois se tornou espírita. Minha mãe, que era, em Alagoa Nova, zeladora do coração de Jesus, terminou aceitando a religião do marido.
Ela tinha, quando moça, longos cabelos. Era a moda da época. E diziam que cabelo curto era para mulher vulgar. Pois não é que dona Pia, numa visita que fez à capital, notou que muitas mulheres estavam aderindo à nova moda, e não pensou duas vezes. E ei-la afrontando a sociedade de Alagoa Nova com o cabelo da moda.
Ela era assim: resoluta, corajosa, inteligente, otimista, cuja vida foi um exemplo de coragem, dignidade e responsabilidade. Adorava ler. Decifrava charadas e palavras-cruzadas como ninguém, e chegou a fazer versos. Outra coisa que ela adorava: música. Musica erudita. Muitas vezes a vi, já velhinha, com o rosto molhado de lágrimas, ouvindo Beethoven, Mozart, Chopin, seus compositores prediletos. Ela mesmo era uma musicista, pois tocava flauta. Fez questão que suas filhas Ivone e Iracema, aprendessem piano.
E a sua alimentação? Sóbria. Não dispensava o ponche diário de beterraba com laranja e cenoura. Comia pouco. Adorava vestidos coloridos. Toda semana estava no salão de beleza. E sempre me dizia: "meu filho, velhice quer trato". Era alegre e otimista. Costumava dizer: “não gosto de velho relaxado”. Uma casa velha com pintura nova é outra coisa.
Teve oito filhos. E era tão decidida que chegou a fazer um parto, sozinha, já que a parteira estava demorando, e quando chegou, o menino já estava fora, esperando apenas o corte do cordão umbilical. Que mulher admirável!