A verdade é que meu pai soube escolher a esposa, Pia de Luna Freire, uma mulher lindíssima. Mais do que isto: inteligentíssima. Muito jovem ainda, achou de se inscrever num concurso público para funcionária dos Correios e Telégrafos, e saiu-se muito bem. Isto numa época em que o preconceito social fazia restrições à mulher como funcionária pública. Lembrando que o preconceito é uma praga denunciada até pelo genial Einstein, que chegou a dizer: “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”. E Dona Pia não quis saber, submeteu-se ao concurso federal, foi aprovada e pronto. Nada de ser pesada ao marido.
Mas não durou muito o seu estado de solteira, o que não é de se estranhar, pois se tratava de uma linda mulher. Linda e inteligente. Inteligente e culta, sem nunca ter passado pelos bancos de uma universidade. Sua caligrafia, de que ela muito se orgulhava, chamava a atenção de todo mundo, inclusive de Delmiro Gouveia, famoso comerciante de Alagoas, que, ao ver a escrita de minha mãe, foi logo dizendo ao meu avô Vicente de Luna Freire, com quem comerciava couro: “Que bela caligrafia a de sua filha!“
Pois bem, minha mãe casou-se em suas primeiras núpcias com Alfredo Barros, que lhe deu dois filhos: o escritor e historiador Eudes Barros e Alfredo. E ficou viúva, pois o marido morreu em conseqüência de uma pancada de vento frio, manhã cedo, ao abrir uma porta, e, como disse no inicio, não demorou muito sua condição de viuvez. José Augusto Romero, diante daquela beleza, não pensou duas vezes, e, por outro lado, o homem era um bom partido. Alto, corpo de atleta e de um olhar sério e sereno. Um olhar que via longe...
Meu pai já era espírita e minha mãe, católica, a quem cabia a responsabilidade de zeladora do Coração de Jesus, lá na igreja. Não demorou muito e ela deixou o Catolicismo pelo Espiritismo. Não resistiu à dialética de seu segundo marido. Não foi uma espírita militante, mas adorava Chico Xavier, cujos livros psicografados lia com profundo interesse. Estava sempre presente às palestras na Federação Espírita Paraibana.
Minha mãe tinha uma personalidade muito forte. Foi uma das primeiras mulheres a cortar o cabelo bem curtinho, o que causou estranheza na sociedade de Alagoa Nova. Acontece que ela, vez por outra, ia à Capital, onde já era moda o cabelo curto. As matutas preconceituosas de então não gostaram da novidade e Dona Piinha foi muito criticada.
A verdade é que o casal se deu muito bem, conquanto os temperamentos fossem bastante diferentes. Dona Pia – já ia me esquecendo – era louca por música erudita e exímia flautista. E seu pai Vicente, meu avô, clarinetista. Melómana, minha mãe tinha uma sensibilidade admirável. Seu ídolo era Chopin. Muitas vezes vi lágrimas correndo pelo seu rosto, ao ouvir os concertos do famoso polonês.
Apesar da diferença de temperamentos e gostos, o casamento de meu pai foi um exemplo de abnegação. E o caçula adorava os dois, conquanto a mãe fosse sua grande confidente e a quem deve o gosto pelas letras, pois ela foi uma grande contadora de histórias!