T udo o que eu disse, até agora, sobre a Rua Nova foi pouco. A rua da minha adolescência, a rua-museu, a rua que guarda em suas calçadas min...

Uma rua dentro de mim (II)

Tudo o que eu disse, até agora, sobre a Rua Nova foi pouco. A rua da minha adolescência, a rua-museu, a rua que guarda em suas calçadas minhas lembranças, a rua que, por milagre, ainda continua, quase a mesma. Ninguém até hoje teve a coragem de derrubar uma de suas casas, de porta e janela, sem vigilantes, ainda com suas salas de visita. Qualquer pessoa podia bater palmas e gritar “ô de casa”, que alguém respondia: “ô de fora”. E tudo corria na paz do Senhor, com o relógio da Catedral avisando o passar das horas. As calçadas largas, cheias de sombras, serviam de campos de futebol para a meninada. E a bola não era de couro, mas de borracha ou de meia.
O silêncio era sólido. As pessoas deslizavam numa mansidão de sombras. Freiras e padres era o que mais se via. E a meninada quando avistava um padre, com sua batina preta, corria para ele, pedindo “santinhos”. Mas o bonito mesmo era a missa dos domingos, com os fiéis passando para a Catedral, muito bem vestidos. Muita gente indo para as janelas para ver e criticar os passantes. Os das janelas e os da rua se olhavam, se cumprimentavam. Ainda se dava um respeitável “bom dia”. Hoje não se usam mais os cumprimentos anunciando as horas. Hoje os homens viraram robôs. Ontem, tirar um chapéu era um gesto elegante e respeitoso.
E haja fofocas, críticas, sorrisos. O sino chamando o povo para a missa e quase todas as janelas ocupadas. Havia até mulher idosa usando binóculos para verem as pessoas de perto. Ah, a curiosidade humana! Mas isso era só aos domingos. Os dias comuns eram de silêncio.
Outro grande acontecimento, que tirava o silêncio da Rua Nova era a Semana Santa. A catedral se enchia. E haja jejum, nada de comer carne. Os santos todos vestidos de roxo. Uma tristeza mística tomava conta do templo. E na Sexta Feira Santa, a semana terminava com um longo sermão proferido defronte da Igreja de São Bento, em que se evocava Maria, a mãe de Jesus, com muitas lágrimas no rosto. Se não me engano, esse sacerdote se chamava João de Deus.
Rua Nova, hoje General Osório, não passa de um museu urbano. A cidade de ontem está, ali, naquela calçada, naquelas casas de porta e janela, naquele silêncio ainda místico.
E agora, me chega à lembrança um fato que me encantava os olhos e fazia vibrar meu coração. A saída das meninas do Colégio das Neves, ao lado da Catedral, defronte da estátua de Nossa Senhora de Lourdes. As garotas fardadas de blusa branca e saia azul, enchiam a rua com as suas risadas, a sua alegria, a sua juventude. Iam ao colégio sozinhas e muitas delas voltavam acompanhadas dos namorados. Nada de namoro perto do colégio, que as freiras proibiam. O policiamento do colégio era severo. Os rapazes sabiam disso e ficavam, de longe, esperando as namoradas. Meninas lindas, morenas, loiras e abrindo-se para o mundo com a sua alegria, seus sorrisos. Evidente que a Rua Nova também se contagiava com aquela euforia das adolescentes do colégio mais badalado da época, colégio de meninas ricas, cujo prédio ainda hoje existe e onde funciona uma faculdade de medicina.
Rua Nova... Por que diabo mudaram o nome para General Osório, que nem conheceu aquela rua, e que, decerto, nunca esteve na Paraíba? Mas, e a badalada Festa das Neves? Ah, sobre isso tenho muito o que dizer. Aguardem!

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