Manhã de muito sol, aqui no jardim. E faz de conta que não estou num jardim, mas numa sala de concerto. Tudo ainda é expectativa. E existe nada mais gostoso do que a espera de uma boa coisa? Há silencio, e onde há silencio, há paraíso. O inferno, como dizem, além de quente é barulhento. E eis que começa o espetáculo. As borboletas, por sinal, amarelas, começam saltitar sobre as flores. Depois aparece o beija-flor, que deve ter um bico muito perfumado. Ele não chega a beijar as flores, mas suga o mel que há nelas. Não se contenta com uma somente. É grande a fome de beijos. Beijar... Haverá coisa mais gostosa? Já imaginou se não houvesse beijo no mundo? O beijo é uma transfusão de amor.
Mas voltemos ao espetáculo, aqui do jardim, com o céu azul lá em cima e a brisa desejando também beijar estas flores.
De repente, eis que aparece no cenário uma feia lagartixa, que também deseja participar da cena. Ela fica parada num canto, aguardando que lhe venha à boca um colorida borboleta. E eu fico torcendo pelas borboletas. Tão lindas!... A lagartixa decerto tem uma inveja danada das borboletas, por que elas são coloridas e podem voar.
Mas, por que condenar as lagartixas? É e compreensível que todos aqueles que se arrastam no chão tenham inveja dos que se elevam nos ares. As lagartixas não voam, embora corram que nem uma bala.
O sol já está chegando muito forte, e já é tempo de sair do jardim. A lagartixa desistiu de abocanhar a borboleta, que ainda saltita delicadamente sobre as flores, como as mãos do pianista sobre o teclado do piano.
A lagartixa agora resolveu subir no pé de palmeira, para lá do alto ficar contemplando as borboletas, no seu belo bailado.
Como foram terapêuticos para este cronista estes minutos aqui no jardim! A gente sai com a alma perfumada de poesia. E saber que há tanta gente que passa indiferente por um jardim... Ah, Jesus venha de novo convidar os homens prosaicos a contemplar os lírios do campo. E com eles aprender a lição da transcendência.