É a tal coisa, Deus fez a montanha e o homem o túnel. Não fosse este e a comunicação seria difícil. O poeta Drummond bem que poderia trocar a pedra de seu poema por uma montanha. Tanto uma como a outra são obstáculos. Mas onde não há montanhas, há o mar, que, segundo outro poeta, João Cabral de Melo Neto, ”o mar, aqui, é uma montanha. ”
Deixemos os poetas e vamos ao passeio entre montanhas, aqui em Bergen. Germano está na direção do carro e já colocou no som o Concerto em lá menor de Grieg. A estrada limpa que é uma beleza. A antiga capital da Noruega é guarnecida por enormes montanhas.
Curioso, não vi pássaros pousando nas montanhas geladas. Nem gaivotas. Mas continuemos nosso passeio agradecendo, sobretudo, aos túneis, que abriram nossa passagem entre montanhas. A gente vai viajando e, de repente, surge o túnel nada poético. Não mais a luz do sol, mas a luz elétrica. E fico pensando, que belo trabalho da engenharia! Sabe quantos túneis andamos contando? 49! Esta Bergen é mesmo a capital das montanhas, o que bem justifica o seu nome. As montanhas nos induzem à transcendência, à reflexão, enquanto os túneis nos ensinam a lição da comunicação. Se não fossem eles, como varar as montanhas?
E vale a pena, vez por outra, estacionar o carro num mirante, esticar as pernas e contemplar os abismos dessa beleza ecológica. Chegamos à conclusão de que tudo ensina na vida, restando-nos apenas ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.
O frio aumenta. Daqui a pouco viramos sorvetes. Mas, aqui para nós, a beleza do frio está no silêncio que ele impõe. Lugar quente é propício ao barulho, à baderna, à poluição sonora.
Mas o passeio está terminando e já é hora de irmos para o hotel. Temos ainda muita coisa a ver no centro urbano de Bergen, toda rodeada de montanhas e onde não faltam os braços de mar. Daí as gaivotas dominando a paisagem. Gritam, pousam nas ruas, sobem, descem. Um grito nervoso. Seria de frio?
O nosso hotel fica numa área tranqüila, onde transitam pessoas que lembram fantasmas. Fantasmas morrendo de frio. Mas as gaivotas parecem adorar o clima. E gritam de alegria. Um grito que o pintor Munch, decerto não percebeu.
Mas vamos terminar a crônica. Terminar mais um sonho de viagem. Sonho que se tornou realidade, ou melhor, uma realidade que se tornou sonho. E nada de gelo, nem pesadelo.