Eis-me, aqui, frente ao computador e pensando em Sócrates, filósofo de minha predileção. Acabo de tomar um gostoso banho de chuveiro elétrico. Não há coisa melhor do que um bom banho morno. E fico pensando: será que o filósofo do "conhece-te a ti mesmo", teria o conforto de um banho desse? Ignoro se o filósofo cuidava do asseio do corpo, ele que viveu o tempo todo cuidando do espírito?...
E o computador, cujas teclas parecem sorrir para mim, como a dizerem: "vem, cronista, escrever tuas crônicas"? Sócrates, com toda a sua inteligência, jamais imaginou que o homem inventasse essa tela em cujas teclas vou digitando a crônica.
Escrevo num clima de muita paz, de muito silêncio, e ninguém para me importunar. Mas vá ver que o filósofo tinha a mulher Xantipa para, vez por outra, importuná-lo, embora, graças a ela, que cuidava das coisas práticas da vida, o grande pensador pôde pensar, meditar e construir sua filosofia. Quem ia ao mercado fazer compras, era Xantipa, cujo senso prático era admirável. O filósofo pensava, e ela varria a casa, fazia a comida e cuidava da roupa do marido. O trabalho de Sócrates era arquitetar idéias. Ora, ora, isso para Xantipa era negócio de doido. E um dia, devido à falta de dinheiro para ir ao mercado, onde o marido ensinava sua filosofia, ela não agüentou e desabafou. Disse-lhe o diabo, enquanto ele se postava em profundo silêncio. Diante do indiferentismo do marido, Xantipa pegou uma lata d'água e jogou em cima dele. Foi um banho inesperado. Mas, enxugando-se, o filósofo apenas monologou: "depois da trovoada vem a chuva".
Logo após, o maior filósofo da História, saiu de casa e foi a pé até a praça. Nenhum transporte para levá-lo até lá.
E fico pensando. Como a vida mudou! Estou ainda sentindo o frescor de um bom banho, sentado diante do computador, o carro na garagem me esperando, o celular aqui junto, enquanto Alaurinda toca o seu violino, pois, quinta-feira próxima tem concerto.
Mas será que Sócrates construiria sua filosofia com tantas solicitações da vida moderna, tanta poluição sonora, e tanto engarrafamento na rua? Está muito difícil pensar nos tempos de hoje. A vida é um corre-corre constante. A TV só traz propaganda de automóveis e más noticias. A propaganda domina o mundo de hoje. Tudo virou negócio. Até a tradicional revista Veja, outrora tão gostosa de ler, virou catálogo de anúncios.
Vende-se tudo, hoje em dia. E o estudante universitário costuma dizer que pagou determinada disciplina. Vá ver que pagou mas não estudou, e deve estar mais interessado em fazer um concurso do que o próprio curso.
E vou encerrar a crônica, pois o estômago está gritando de fome. Fome de comida, enquanto o nosso filósofo tinha fome de conhecimentos, e costumava, humildemente, dizer "o que sei é que nada sei".