Noto, com tristeza, que as pessoas andam muito indiferentes para as coisas em seu redor. Olham, mas não veem. Passam diante de muitas coisas belas da vida completamente alheias, ou melhor,cegas. Não apenas cegas, mas também surdas.
Querem ver um exemplo? Prestem atenção aos que caminham na praia, manhã cedo. São capazes de botar os olhos naquelas horríveis barracas e passar alheias ao próprio mar. São incapazes de ouvir o canto dos bem-te-vis nos coqueiros, ou elevar os olhos até o firmamento azul com suas nuvens ensaiando um suave balé.
Muitos andam tão rápidos, tão apressados, tão "máquinas", que parecem que vão atender a uma urgente necessidade fisiológica... A Natureza lhes é completamente indiferente. E ei-los falando no celular de assuntos referentes a negócios, esquecidos de que tudo tem a sua hora.
Falam diante do aparelho em voz alta como se tratasse de um microfone e esquecem a caminhada que exige certa disciplina e concentração. Nada custa um ligeiro bate-papo, um "olá, como vai você?", um cumprimento cordial. Afinal, somos criaturas humanas e não apenas
vivemos, como convivemos. O sorriso, a cortesia, fazem bem à saúde.
Mas o que eu observo, na maioria das pessoas, é uma espécie de indiferença morfética. Alguns chegam até a fechar a cara num acentuado mau humor. A presença do outro parece incomodá-los... Talvez até concordem com o pessimista e estressado Sartre, para quem "os outros são o inferno".
Nada mais triste do que um rosto sem sorriso. O sorriso é uma espécie de luz. Não devemos esquecer de que o homem é o único animal que sorri. A carranca fica para os irracionais e os ditadores...
Caminhar na praia, mesmo cheia de barracas tirando a visão do mar, é a melhor das terapias. E vejo gente de todas as idades, uma verdadeira multidão, pra lá e pra cá, oferecendo um espetáculo que, confesso, nunca vi nos civilizados países que visitei. Embora as praias de lá sejam cuidadosamente limpas, onde jamais alguém se atreverá a armar uma barraca ou abrir a mala de um carro para ligar o som na maior altura, agredindo o silêncio. A vigilância, ali é rigorosa.
Mas já estou me desviando do assunto, que é a nossa indiferença, com exceção das crianças. Estas sabem olhar para tudo que ocorre em seu derredor. Bem disse Sócrates que a filosofia nasceu do espanto. Espanto diante da vida.
Não me diga, leitor, que você é incapaz de demorar o olhar num jardim ou num flamboyant florido. Não me diga que sua sensibilidade é patológica...