Em um dia comum da vida, estava eu transitando de carro pelas ruas da cidade, e, ao ligar o auto-rádio em uma emissora de FM local, ouvi o locutor anunciando que, durante uma hora, os ouvintes poderiam se deliciar com uma série das "melhores canções" da chamada Música Popular Brasileira, sem intervalo comercial (ressaltava alegremente).
Fiquei interessado, uma vez que, embora tenha preferência pela música erudita, não dispenso uma boa canção do repertório nacional. Mas o que comecei a ouvir, naquele momento, foi uma zoada de tanto mau-gosto, tão estúpida, tão dissonante, que jamais poderia ser classificada exatamente como... música.
Surpreende notar como a MPB entrou em declínio de uns tempos para cá. De repetente, encontramo-nos imersos em meio a uma proliferação incessante de ritmos barulhentos, com letras de baixíssimo nível... e tudo sendo vomitado em nossos ouvidos mesmo sem a nossa permissão. São axés, funks, forrós pornográficos, raps, hip-hops, difundidos aos quatro ventos, principalmente em carros equipados com alto-falantes potentes, nos mais inconvenientes lugares.
Nos anos 60, tivemos uma produção musical decente, rica em melodias. Sob a influência genial dos Beatles, floresceram movimentos interessantes, a exemplo do Tropicalismo e da Jovem Guarda, que nos deram bons cantores e bandas como Os Mutantes, Gal Costa, Gilberto Gil e até mesmo o Roberto Carlos dos primeiros tempos.
Desse universo, também se destacou um jovem de sobrenome aristocrático que talvez seja a melhor tradução para os tempos áureos vividos pela música brasileira: Francisco Buarque de Hollanda, ou, de forma mais simples, Chico Buarque, autor das inesquecíveis “Apesar de Você”, “A Banda” e “ConstruçãoMaria Bethânia, Nara Leão, Elis Regina, Rita Lee, Boca Livre, 14Bis.
Nesse rol não pode deixar de figurar Toquinho, responsável pela criação daquela que já foi descrita como uma das mais belas canções já compostas: “Aquarela.
Infelizmente todas esses artistas e sua arte foram sobrepujados por uma parafernália infernal que alguns insistem em chamar de música. Duplas de “cantores” sertanejos surgem a cada dia, com suas vozes de musicalidade questionável. Alguns não têm o menor talento para a arte de cantar. Mesmo assim, ganham rios de dinheiro e geralmente fazem questão de ostentar as suas conquistas materiais em revistas de celebridades, exibindo seus carros milionários e as incontáveis cabeças de gado que lograram adquirir com o sucesso de suas “músicas”.
Uma certa cantora baiana é campeã de vendas de CD’s pronunciando uma baboseira que tem como indigesto refrão “... quer andar de carro velho, amor? então venha, porque sei que andar a pé, amor, é lenha...”. Uma outra, que dizem ser carioca, nos azucrina com uma repetição sonora estafante, capaz de levar qualquer um à loucura: “... amor, i love you. amor, i love you. amor, i love you...”.
O forró nordestino, que antes encontrava em Luiz Gonzaga um expoente de poesia doce e melódica, deturpou-se por completo. E hoje o que se vê, não só na época junina, são grupos com os mais estapafúrdios e ridículos nomes cuspindo em nossas orelhas canções estrangeiras vertidas para um português sofrível, com um apelo fortemente sexual.
As rádios, então, perderam de vez as estribeiras. Certamente massacradas em virtude do aparecimento de instrumentos tecnológicos que permitem a gravação de canções em dispositivos portáteis, no formato mp3, as emissoras se transformaram em ambiente de divulgação de igrejas evangélicas, e algumas poucas ainda sobrevivem no mundo musical, sendo obrigadas, entretanto, a aderir ao mau gosto que parece ter se instalado de vez na população.
O processo de declínio da Música Popular Brasileira é perene e acelerado. É um caminho sem volta. Não dá para ser otimista em cenário tão tenebroso, mesmo porque as crias dessas celebridades sertanejas também resolveram enveredar no meio "musical", o que torna sombrio o futuro da MPB. O quadro atual é lamentável. A única certeza que temos é a de que somente no passado podemos encontrar a verdadeira música brasileira.
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Daniel Piza
Fórum Brasil-Itália