Estou lendo, aqui, que a palavra cemitério etimologicamente significa "lugar onde se dorme". Mas será que naquela terra fria ainda há quem esteja de olhos abertos? Bem... vamos adiante. Um escritor disse, certa vez, que estranhava muito colocarem muros altos nos chamados "campos santos", uma vez que "os que estão lá não podem sair e os de fora não desejam entrar", a não ser nos dias consagrados aos mortos...
E houve um asceta budista, Milareta, que chegou a construir sua casa junto de um cemitério só para não esquecer que vai morrer.
Lugar onde se dorme? Será que os mortos lá estão de olhos fechados e ainda vivos? Decerto, como pensam muitos, estão aguardando o som das trombetas para serem julgados. Uns irão para o céu, outros para o purgatório ou inferno. Não é assim que ensina a religião tradicional?
Mas deixemos este intróito de crônica, e comentemos sobre alguns dos cemitérios que visitei, tanto o famoso Père Lachaise de Paris como o da bela cidade Queenstown, na Nova Zelândia, que fica perto da estrada, sem muro, sem nada. Quem sabe os mortos, ali, talvez desejassem um contato humano.
E agora me vem à lembrança um cemitério em Barcelona, que fica situado bem no alto, no centro da cidade, num lugar privilegiado, onde se pode ter uma visão panorâmica da cidade. Quando o avistei, pensei logo que se tratava de uma favela, um ajuntamento de casinhas. Não era. Era um cemitério.
Voltemos ao Père Lachaise, que já visitei dezenas de vezes, sobretudo pelo original mausoléu de Allan Kardec, onde se lê a seguinte inscrição? "Nascer, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a lei". É lá que também estão os restos mortais de Chopin, Danton, Edith Piaf, cmOscar Wilde, Proust e outras celebridades.
Convém recordar, ambém, o principal cemitério de Buenos Ayres, que fica situado – adivinhe? - no centro da cidade, num local cheio de restaurantes, ponto de passeio dos turistas. Muita gente alegre, sorrindo, gargalhando, bebendo, erguendo brinde e comendo, completamente indiferente às catacumbas, ali perto, por sinal muito bonitas e luxuosas.
A verdade é que cemitério também é atração turística. Uns de muros altos, como o de Paris, e outros como o de Buenos Ayres, todo iluminado e funcionando à noite... E a alguns metros de distância, a algazarra das pessoas, que me fizeram lembrar aquele poema de Bandeira "Momento no café". Como no poema, há os reflexivos e os indiferentes diante da morte.
Um cemitério em pleno centro da cidade. Dir-se-ia uma irreverência aos mortos. Não, leitor. Os que se foram não estão mais ali, seja dormindo, seja sonhando...