– Eu lhe gosto. – Eu gosto de você. – Hem?! – Eu também gosto de você, ora. – Está me cor...

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– Eu lhe gosto.
– Eu gosto de você.
– Hem?!
– Eu também gosto de você, ora.
– Está me corrigindo?
– Corrigindo como?
– Você usou o verbo diferente. Era para ter dito “Eu também lhe gosto”, ou coisa parecida. Mas me corrigiu: “Eu gosto de você!”. Disse tudo certinho.

O envelope marrom estava sobre a mesa, à luz suave do entardecer. Dentro dele, o aviso de demissão que ela já esperava há semanas. A ...

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O envelope marrom estava sobre a mesa, à luz suave do entardecer. Dentro dele, o aviso de demissão que ela já esperava há semanas. A empresa enxugava-se, diziam. E ela era uma das gotas sobrando.

A reconstituição de uma época riquíssima, num romance ágil, denso e original. A ficção é a melhor forma de se assistir aos aconteci...

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A reconstituição de uma época riquíssima,
num romance ágil, denso e original.

A ficção é a melhor forma de se assistir aos acontecimentos de uma parte do passado como se fosse ao vivo. Tornam-se incrivelmente presentes, nos grandes romances, aquela gente que resistiu à invasão napoleônica em Moscou, aqueles americanos ricos que vagaram pela Europa no entreguerras, aqueles paraibanos que viveram o Ciclo da Cana-de-Açúcar. O Silêncio do Delator, de José Nêumanne, tornou-se, na mesma linha, a maneira mais perfeita de se ver o que foram os muitos grupos de jovens brasileiros dos anos 60, apaixonados – e marcados – por Bob Dylan, Mao e Che, pelos Beatles, mais o cinema de Glauber e Godard, além do tórrido tempero da revolução sexual.

Uma coisa é gostar de livros, ao modo de um leitor contumaz comum, outra é transformá-los em paixão, ao ponto de tê-los como referên...

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Uma coisa é gostar de livros, ao modo de um leitor contumaz comum, outra é transformá-los em paixão, ao ponto de tê-los como referência central da existência. A estes últimos costuma-se chamar de bibliófilos, ou seja, aqueles que cultivam a arte de colecionar livros. Arte que às vezes se confunde com loucura, bem sabem os que sofrem e gozam com tal hábito (ou será mania?).

Há algo de atroz em alinhar corpos no asfalto, em ter que ir buscar os corpos na mata cerrada, ir puxando um por um até que estejam to...

destino tragedia rio janeiro
Há algo de atroz em alinhar corpos no asfalto, em ter que ir buscar os corpos na mata cerrada, ir puxando um por um até que estejam todos expostos, à luz clara da manhã. Mas a atrocidade não é das famílias, não é dos cronistas: é das forças oficiais que consumaram essa realidade, é do governador que as comandou... (Julián Fúks)

Duas cenas marcaram profundamente as notícias da semana diante da tragédia do Rio de Janeiro no combate ao Comando Vermelho e da chacina na mata. A cena das dezenas de corpos estirados no chão, no meio da rua. E a mais triste: a cena de uma mãe, despedaçada pela tristeza, por cima do caixão do filho assassinado. O luto singular. Um rito de reconhecimento da dor do outro. Mais de 100 mortos e dezenas de feridos. E, no
destino tragedia rio janeiro
Lilia Schwarcz
meio de assassinos, gente da favela e policiais. Rio — uma cidade conflagrada, como li nos comentários de tantos. Uma pena de morte imposta pelo Estado. Como disse a historiadora Lilia Schwarcz: “A necropolítica da fabricação do anonimato e da ausência de informações. Mortes usadas como palanques.” E o governador do Rio, Cláudio Castro, chamando a operação de sucesso. Mas o que se viu, como disse Lilia, “foi barbárie com uniforme, terno e gravata. Uma tragédia com data, rosto e endereço, mas que, para o país, tornou-se apenas mais uma linha nas estatísticas da indiferença.” Um massacre!

E toda vez que me encontro diante das dores das mães, me pego com fotos dos meus filhos pequenos. Sincronicamente, o Facebook me trouxe uma foto com meu filho caçula, Daniel, ainda bebê, sentadinho à beira-mar da praia de Camboinha. Era cedinho de um domingo qualquer, há mais de trinta anos atrás, me peguei a pensar. Que privilégio foi o meu! O amor e a singeleza dessa foto para me abstrair da dor das mães da Favela do Alemão e da Penha.

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João e Elizabeth Jardelino
Meus sogros, Seu Jardelino e D. Tezinha, construíram sua casa à beira-mar, onde tinham terreno e a primeira casa desde os anos 60/70. Naquela época, essas praias tinham espaço para pessoas de classe média, hoje habitadas por ricos. Dessa nova casa, eu já tinha Juca como companheiro e Lucas, meu filho mais velho, com 4 anos. Mas foi depois de algum tempo que surgiu uma casa bonita de primeiro andar, com aquela vista de um mar manso e azul. Todos os carnavais, natais, ano-novo, Semana Santa, feriados e férias, eu podia ocupar uma suíte no primeiro andar, e lá eu era amiga do rei. Digo da rainha, pois, depois da partida de J.J., como meu sogro era chamado na intimidade, D. Tezinha morou longos anos sozinha naquela imensa e acolhedora casa. Era perigoso? Sim. Não como hoje. Mas ela se recusou a sair de lá, pois tinha seu jardim todo seu. Assim como em “Nos jardins de nossas mães”, de Alice Walker.

A casa era enorme, mas decorada simplesmente. Tinha um mesão na sala de jantar para todos da família. Uma mesa farta com feijão verde e galinha de cabidela e, no café da manhã, mamão cortadinho e tapioca. Sim! E cuscuz no molho de coco, que amo. Um biquíni, uma canga na cintura e um par de Havaianas (mas não era Fernanda Torres na publi!).
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Ana Adelaide e Daniel
Assim, eu passava os dias. Tomando banho de mar e, depois, uma ducha no chuveirão do quintal, com o leve perfume das pitangas plantadas rente ao muro. Lá na frente, uma churrasqueira em que Juca se arvorava de gaúcho, e um pé de oliveira que eu vi crescer; daí passarmos os dias de lábios roxos. Eu, que vinha da fúcsia dos jambeiros da Av. Almirante Barroso, só mudava de tom. Lilases! Na beira-mar, nos encontrávamos para chupar caju e fazer castelos de areia com as crianças. Hoje, meus sogros e Juca já voaram mais alto e habitam as estrelas.

Quando tinha feijoada, a família toda vinha sentar-se à mesa gigante da sala. Antes, porém, tinha uma cervejinha. E, após essa iguaria, todos se recolhiam às redes para o cochilo costumeiro. E eu, dormindo só por um olho, ficava brincando com Daniel no mormaço enfadonho dos domingos à tarde. Não sem antes ver o sol e a lua, com um caranguejo em cada mão, uma cerveja na outra, mangabas e manga-espada das pintinhas pretas. Noites silenciosas. Crianças que dormiam o sono dos justos. A Rua Max Zagel era calma, crianças nas ruas e vizinhos sentados nas calçadas proseando.

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Júlio Jardelino e o filho Daniel (Praia de Camponha-PB) Acervo da autora
Nas férias de janeiro, meus cunhados que moram fora chegavam de Brasília, Recife e Salvador, e a festa crescia. J.J., com sua bermuda, seu ar bonachão, sempre embevecido com a casa cheia. D. Tezinha, atrás de mimos para todos. Sempre que chega o verão, lembro-me dos tantos amanheceres e anoiteceres da minha vida. Marcantes. Mas esses de Camboinha me levam para um lugar para além de Areia Vermelha e dos navios passantes. Me levam ao infinito. Saudades daquela casa. E de tantas outras casas da minha vida que permearam meus jardins e quintais.

E, quando penso nessas memórias tranquilas e serenas do meu bebê conhecendo o mar, reverencio aquela mãe debruçada no caixão do filho morto, em nome de todas as outras.

O ex-arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, o querido “Dom Pelé”, contou, numa homilia, que, certa vez, uma menina foi vista carre...

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O ex-arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, o querido “Dom Pelé”, contou, numa homilia, que, certa vez, uma menina foi vista carregando nos braços seu irmãozinho, cujo pé estava machucado.

Leio agora, como novidade creditada por um número da Veja ao urbanista franco-colombiano Carlos Moreno , o que ouvi, há mais de vinte a...

Leio agora, como novidade creditada por um número da Veja ao urbanista franco-colombiano Carlos Moreno, o que ouvi, há mais de vinte anos, do inesquecível Mário Glauco Di Lascio, arquiteto com casa modelo em Tambiá, de janela aberta para o que lhe interessava do mundo.

Em 2023, tive a oportunidade de publicar dois trabalhos que considero importantes. O primeiro foi o livro Biu Ramos: o timoneiro da A...

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Em 2023, tive a oportunidade de publicar dois trabalhos que considero importantes. O primeiro foi o livro Biu Ramos: o timoneiro da Arca de Sonhos, resultado do meu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, da Universidade Federal da Paraíba (PPJ/UFPB),

“Tudo, em suma, é sempre uma questão de educação.” ( Cecília Meireles ▪️ Da crônica “Questão de Educação”, publicada no Diário de No...

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“Tudo, em suma, é sempre uma questão de educação.” (Cecília Meireles ▪️ Da crônica “Questão de Educação”, publicada no Diário de Notícias, 05/02/1932.)

Cecília Meireles, além de professora, poeta, jornalista e pesquisadora, escreveu crônicas sobre educação e livros teóricos com assuntos pertinentes à literatura infantil e ao folclore, entre eles: Problemas da literatura infantil (Summus, 1979, 2ª ed.) e Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo 1926-1934 (Martins Fontes, 2003, 2ª ed.).

Alguém já pensou que, a cada hora, cada dia, cada semana, cada mês e cada ano que passa, a gente vai perdendo coisas? Perdemos parentes...

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Alguém já pensou que, a cada hora, cada dia, cada semana, cada mês e cada ano que passa, a gente vai perdendo coisas? Perdemos parentes, pais, filhos, amigos. Muitas vezes perdemos a saúde, a alegria de viver, a paz interior e muitas outras coisas.

Aurora ( Aurore ) é o título do capítulo X do Livro I , La guerre entre quatre murs ( A guerra entre quatro muros ), da Quinta parte ...

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Aurora (Aurore) é o título do capítulo X do Livro I, La guerre entre quatre murs (A guerra entre quatro muros), da Quinta parte de Os miseráveis, Jean Valjean. Não há nada de excepcional, nesse curto capítulo (p. 950-952), do ponto de vista da sua compreensão linear: com a aurora, Cosette se levanta, faz a sua toilette de moça, enquanto pensa num possível reencontro com Marius, escapando, assim, de seguir o pai a Londres, e criando, a partir

Acho que quase todos lembram do incêndio do edifício Joelma, em São Paulo. Era fevereiro de 1974, e um curto-circuito num aparelho de...

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Acho que quase todos lembram do incêndio do edifício Joelma, em São Paulo. Era fevereiro de 1974, e um curto-circuito num aparelho de ar condicionado do décimo segundo andar deu início a um incêndio que se espalhou muito rapidamente. As pessoas começaram a subir para os andares superiores, mas ali não podiam escapar do fogo e da fumaça. Quando os bombeiros chegaram, faltou água, e a escada Magirus só alcançava os andares inferiores. Muita gente começou a se jogar pelas janelas. Na contabilidade terrível: 191 mortos e 300 feridos. Treze vítimas que tentaram escapar pelo elevador ficaram presas e morreram queimadas dentro da cabine. Seus corpos não puderam ser identificados e foram enterradas juntas.

Dica de leitura Título: VERSINHO LILÁS Autora Ana Lúcia Franco

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Dica de leitura

Título: VERSINHO LILÁS
Autora Ana Lúcia Franco

Ri um bocado do espanto da minha amiga: “Mas isto é um milagre!”. De queixo caído e já octogenária, como eu, ela se via, então, no ve...

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Ri um bocado do espanto da minha amiga: “Mas isto é um milagre!”. De queixo caído e já octogenária, como eu, ela se via, então, no verdor dos 16 anos, belíssima, dentro de um vestido branco e longo desses preparados a capricho para as grandes ocasiões. A estola – aquela peça de tecido comprida e larga, aquele símbolo de elegância e distinção que sai do pescoço das mulheres, cai-lhes sobre os ombros e lhes desce pelas costas até quase a barra da saia – continha

Somos todos, presentemente, passageiros de um navio em perigo. Alguns já perderam até a esperança e aceitam, em silêncio, a fatalidade ...

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Somos todos, presentemente, passageiros de um navio em perigo. Alguns já perderam até a esperança e aceitam, em silêncio, a fatalidade de uma catástrofe que sua covardia torna mais certa. Entretanto, alguns, se sobreviverem ao naufrágio, se recusam a morrer sem ter feito tudo para salvar, não as matérias mortas, mas as forças vivas, os calores espirituais, que são as chamas onde se acenderão novos focos.

A relação do médico neurologista e psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) com a arte fundamenta as bases para a crítica de ar...

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A relação do médico neurologista e psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) com a arte fundamenta as bases para a crítica de arte e a estética psicanalítica. O seu trabalho oferece a compreensão da criação e da experiência artística, vendo a arte não apenas como um fenômeno cultural, mas como uma manifestação da vida psíquica inconsciente. Para Freud, em seu livro A Interpretação dos Sonhos, publicado em 1900, “A arte é como os sonhos e os sintomas neuróticos: ela permite o acesso aos conteúdos reprimidos e aos desejos não realizados do ser humano”.