A vida começa a sair do quebranto, a bater asas e recobrar o pio dos humanos. Deixo a Casa da Cidadania, no Tambiá, uma invenção do tempo ...
Seu Frederico!
O movimento romântico nas artes com frequência nos inclina a apuradas reflexões, principalmente no mundo da Música. Não que a delicadeza b...
O Poema do Êxtase
Tal ruptura de formas e padrões da estrutura harmônica dominante nos períodos anteriores também ocorreu na literatura, poesia e artes plásticas, quase concomitantemente. A efervescência dos sentidos exacerbou-se rumo à liberdade de expressão, a desatar tudo o que havia preso nos recônditos do consciente e do inconsciente emocional. O sensitivo irmanava-se à intuição artística moldando o grito entusiasmado das ideias em linguagem livre e cristalina.
Os dramas épicos e nacionalistas aliavam-se à impetuosidade da paixão, trágica ou lírica. Uma tendência de total flexibilidade das formas pré-estabelecidas potencializava arroubos poéticos comuns a afeições inerentes à saudade, à alegria, ao amor, à angústia, à tristeza e à desilusão. A protagonização romanesca traduzia e relatava, enfim, tudo o que ocorria no âmago do ser.
A revolução francesa contribuiu para que a reconfiguração da arte eclodisse contagiada com o espírito de independência transformadora de tudo convencionado até então. Embora outras rebeldias, íntimas ou não, próprias da evolução e da história da humanidade tenham contribuído para a epopeia da fantasia. E tal influência foi assim estendida às demais manifestações artístico-culturais.
Altas doses de egocentrismo temperaram textos, poemas, sinfonias, pinturas e até mesmo a filosofia, destacando impulsos individuais acima de tudo, por vezes sob exagerado subjetivismo. E o esplendor da estrondosa e instigante beleza da Natureza e seus fenômenos atemorizantes fez o homem interagir com o eu lírico, exprimindo com toda força o que vivenciava no momento narrado. A criação divina influenciava e se retratava no estado de espírito do artista, do qual emergiam inspirações que advinham do grotesco ao medievalismo, do bélico ao pacífico, do trágico ao suavemente poético.
Houve, no entanto, românticos autênticos ou tardios que captaram intuitiva e espiritualmente a quintessência mística, transcrevendo para as suas composições a ousada e grandiosa imagem da Divindade.
O compositor russo Alexander Scriabin (1872-1915) é autor de uma obra profundamente romântica, na qual a dramaticidade não se restringe aos aspectos voluptuosos da paixão ou da tragédia. Há nos seus poemas sinfônicos e sinfonias um contexto de densidade transcendental arrebatador. Pois ele próprio dizia ser o artista “fruto de uma designação divina”.
Um exemplo “clássico não clássico” dos rompantes modernistas é o seu “Poema do Êxtase” (opus 64), original e intencionalmente literário para se transformar posteriormente em música sinfônica. Sua mensagem em busca do nirvana já se revela em um dos 369 versos, do próprio Scriabin, também poeta, que serviria de base para a obra:
Tão entusiasmado estava com o novo trabalho que disse, em carta, à sua (segunda) esposa, Tatiana de Schlözer:
Passaram-se 3 anos, de 1904 a 1907, para que o Poema do Êxtase fosse concluído, após várias transformações, todas livres de quaisquer limites formais, estreando em dezembro de 1908, em Nova York. O desejo do autor era realmente esse, transcender, extrapolar, descrever a jornada da alma às esferas superiores, no ondulado ritmo da evolução humana. A música assim cresce, indo e vindo se robustece, para atingir um auge de sonoridade de extasiante luminescência.
Logo após a estreia em seu país, na capital São Petersburgo, a crítica convergiu quase unânime ao classificar o Poema do Êxtase como “a obra mais ousada em toda a música contemporânea”. Enfim, a liberdade musical fora alcançada com excelsa sublimação das reações íntimas diante da arte, em busca da iluminação, confessada pelo próprio autor:
Imbuído de total desprendimento, sempre associado à plenitude, Scriabin consegue, em pouco mais de vinte minutos, condensar a nítida imagem da ascensão à espiritualidade. No início a música sugere o tatear da pureza, da ignorância, da simplicidade, e, aos poucos, ao longo do poema, faz a alma expandir a consciência, iluminar-se.
O início é suave como um despertar e se consolida aos poucos à vigília. O tema composto por três intervalos ascendentes e consecutivos de duas notas, inúmeras vezes tocados pelos trompetes, estão presentes em toda a partitura. Os metais têm uma participação enfática ao executá-lo conferindo o caráter solene de anunciação de uma meta, de um objetivo: o êxtase místico, a grandiosa ponte que Scriabin edificou entre o humano e o divino.
O adensamento sinfônico enriquece-se passo a passo com a diversidade de timbres e espectros melódicos que se contrapõem em complexidade perfeitamente unificada na harmonia de conjunto. Na incisiva jornada ao auge epifânico, a música oscila entre forte e piano, entusiasmo e suavidade, e assim evolui para o glorioso clímax . Toda orquestra ruge, com tímpanos, gongo, sinos e colaneri a explodir no portentoso frenesi que tão bem singulariza o universo sonoro de Scriabin.
Ao final, descortina-se então a visão panorâmica contagiante capaz de nos conduzir às cintilantes órbitas celestiais. É quando os ouvidos transmitem intensa comoção aos olhos que, mesmo cerrados, lançam-se na exuberância do cosmo irradiando-se em direções antagônicas, do infinito imaginário à realização do ser interior.
Logo após a explosão sinfônica que finaliza o poema, o espírito agora reconfortado respira pela última vez, e consagra seu renascimento no glorioso clímax do pungente epílogo , tal como Richard Strauss magistralmente alcançou na conclusão de seu célebre trabalho “Morte e Transfiguração" (Tod und Verklärung, 1891 - Eisenach).
Ao ouvir o Poema do Êxtase, conclui-se que os efeitos da arte que extrapola, que ousa, que se desgarra do que é óbvio, das convenções contextuais, invariavelmente fortalece a convicção de que a liberdade é extasiante. Aprendamos então com os românticos. Vivamos nossos sonhos. Inovemos, criemos o incomum, abracemos aquilo que nos compraz, deixando explodir aos céus tudo o que é intimamente belo, sem medo de ser livres. Completamente livres.
Se tu te dispões a fazer alguma coisa que faças de bom grado. De nada adianta fazer algo, que deveria ser voluntário, contra a própria ...
Escolhe o sorriso
De nada adianta fazer algo, que deveria ser voluntário, contra a própria vontade. Se estás chateado, não precisas transformar a chateação em mau humor.
É lícito chatear-se, pois a vida não é um caminho suave e indolor, mas a transformação da chateação em mau humor imputa a ti mesmo e ao outro um peso extra à vida e àquilo que temos de fazer.
Decifração de gotas A nuvem escreveu com água e "enchuvou" a janela frases aleatórias pingadas nas telhas ao longe,...
Flor de hora marcada
A nuvem escreveu com água e "enchuvou" a janela frases aleatórias pingadas nas telhas ao longe, embaços desuniformam pessoas e o mundo antecipa a noite em pleno dia avante decifrações ditas pelas meras gotículas que em código relata: não é tempo ainda de invernada mas é bem-vinda a quase chuva inesperada dota clima diferente por estas temporadas
Às vezes sou toda ouvidos... falo isso literalmente, às vezes, gosto de esquecer os outros sentidos para ouvir os sons da vida que passa...
Sons
Gosto de fechar os olhos e escutar, o som do vento que uiva passando pelas frestas das janelas, ao longe o barulho do motor de um carro que arranca, apurando mais o ouvido , ouço uma serenata de gatos que se acasalam. Aprofundando mais ainda o sentido, dá para ouvir o som de grilos que cricrilam, saudando a Lua no céu.
I Mais poeta de hábitos que de versos, busco levar minha vida ordinária, construindo poemas submersos, esperando que um dia c...
Existo em minhas memórias
Mais poeta de hábitos que de versos, busco levar minha vida ordinária, construindo poemas submersos, esperando que um dia cheguem à praia...
Só me apego a lembranças, às minhas velhas histórias... Sendo um ser sem semelhanças, existo em minhas memórias.
... até que um ator "chegue" ao personagem Há exatos vinte anos, eu, com 60, ao me ver prestes a participar — sob o sol do s...
As muitas voltas que o mundo dá...
Tive a oportunidade de trabalhar e viver cinco anos na Colômbia, quase dois no México e aproximadamente quatro anos no Peru. Isso aumento...
E os livros? Até quando resistirão?
Apesar de ter-me filiado à corrente filosófica do nadismo, ainda não consegui alcançar o último e mais importante dos seus objetivos. Já...
Um algoritmo, pelo amor de Deus
Ele acordou e decidiu fazer tudo diferente. Desde jovem era mal humorado, com o tempo foi se tornando grosseiro, intolerante, desconfia...
O homem transformado
Era uma segunda-feira, justamente o dia da semana que mais o enervava. Voltar ao trabalho, encontrar pessoas, cumprir obrigações, enfrentar o trânsito...
Solha não se inscreve entre aqueles eruditos que só fazem acumular conhecimentos e cuja memória prodigiosa retém o que os outros dizem...
O novo livro de W.J. Solha
Solha, atento sobre o que os outros dizem, sempre teve o que dizer. E o disse quer na ficção, quer na poesia, como também na condição de artista plástico, de dramaturgo e ator da melhor cepa. É um multimídia cujas mil e uma atividades se ajudam mutuamente, emprestando umas às outras as ferramentas necessárias à consecução de uma obra já definitiva. E olhem que eu sempre nutri um certo ranço preconceituoso com relação àqueles que desejam açambarcar o mundo com as pernas. Ou seja, os que não se satisfazem em ser tão somente ficcionistas e desejam ser poetas; os que ambicionam não só ser poetas como também artistas plásticos...
Acompanho Solha desde a época em que estreou com um romance amadurecido, inovador, prêmio Fernando Chinaglia: “Israel Rêmora ou O Sacrifício das fêmeas”. E desde “Trigal com corvos”, livro de poemas sobre o qual escrevi um texto em que, entre outras coisas, observei:
Com “1/6 de laranjas mecânicas, bananas de dinamite”, lançamento recente da Arribaçã, Cajazeiras, 2021, Solha continua escrevendo sob a égide do inconformismo, estabelecendo cotejos entre homens, seres, coisas, fatos históricos etc., na medida em que os retira do seu imobilismo aparente para emprestar-lhes outras dimensões e outros significados. E escreve ainda que tudo está fadado à repetição, quer como farsa, quer como tragédia, além de preconizar no divertimento proporcionado pela comédia, uma possível advertência de que algo de grave está para acontecer: “Demarque-se, / portanto, / o que disse Marx. / Tragédia, / às vezes, / se disfarça em farsa / e pode vir, / primeiro, / como comédia... que nos diverte / ... ao tempo em que / ... nos adverte”. É como se não existisse nada de novo sob o sol, a não ser o sol dos flashes que o eu-lírico espoca/explode trazendo à luz o “enjambement” de circunstâncias até então isoladas, que pareciam existir de forma estanque, autônoma e autossuficiente.
Em Solha, creio que as epifanias, os insights, mesmo frutos do acaso, passam posteriormente pelo crivo do poeta, que os elabora, os ordena, de modo a evitar o “tiro nas lebres de vidro / do invisível”, verso de João Cabral de Melo Neto em que ele rejeita a poesia estribada no acidental, no imprevisto, para concebê-la como produto exclusivo do trabalho consciente.
A dicção de Solha dista anos-luz da de Cabral, pois este, se não é um poeta minimalista, prima pela contenção, pela parcimônia, no que diz respeito ao emprego das palavras. De Solha, embora cultor do poema longo, não se pode dizer que ele seja um dispersivo, um perdulário, uma vez que a condensação também pode marcar presença nos poemas discursivos, a exemplo do que ocorre com os de Walt Whitman, com os de Álvaro de Campos e com “1/6 de laranjas mecânicas, bananas de dinamite”.
Nesse livro recém-lançado, como nos livros anteriores, o eu-lírico mescla breves e frugais passagens de sua “história” pessoal, de sua biografia do imaginário, com alguns acontecimentos que marcaram e marcam a ferro e fogo a marcha batida da humanidade rumo à barbárie. Enfim, partícipe e testemunha, o eu-lírico ciceroneia o leitor através de uma narrativa que “contém uma espécie de memória ancestral da civilização nesses tempos e nesse mundo tão pouco civilizado e atravessado, distopicamente, por uma pandemia”.
Aqui, cabe uma advertência: o leitor menos informado tem tudo para escorregar nas cascas de banana das dinamites espalhadas ao longo do poema, pois nem sempre ele dispõe de informações suficientes a respeito das personagens, dos fatos e dos contextos históricos mencionados no livro. Cumpre ao leitor, então, pesquisar.
Por outro lado, ao invés de remover minas, Solha as instala e as explode no mais íntimo, nas entranhas, nos desvãos mais profundos do leitor. E o faz através de um poema em cuja embalagem ou invólucro deveria obrigatoriamente constar – em letras garrafais! – a seguinte advertência: “cuidado, explosivo! ”, acrescido de outro alerta:
Estamos montando um museu. Insinuo-me no plural do verbo por ser dos que se batem, há anos, contra essa carência inexplicável de um mirant...
O museu da cidade
Museu por si mesma, a casa está pronta, restaurada, e me foi dado ingressar e ver por dentro o aposento onde demorou por pouco tempo a família e a intimidade do homem particular que o palácio ou a causa pública sacrificou. Assassinado há 91 anos, e desaparecida a república que invocou sua luta e seu nome para instalar-se, nenhum outro paraibano tem demorado e subido mais pronta e emocionalmente à memória do seu povo. “Ainda hoje me emociono” – palavras envelhecidas de Celso Furtado, cientista social de universais cenários, recordando impressão da infância.
Nutro enorme admiração pelo pernambucano Alceu Valença . Para mim, ele é um gênio de nossa música popular. Vem de longa data minha reverên...
Canções com gosto de domingo
Quando vemos alguém adotando o comportamento de quem se acha superior, excesso de soberba e arrogância, podem anotar, são pessoas que usam...
A teoria da empáfia
Quando meu neto Arthur tinha sete anos, ele me perguntou se estávamos no mês de oitembro . Respondi-lhe que estávamos no mês de outubro....
Oitembro ou Oitubro?
Arthur, na lógica correta da criança, intuiu que o vocábulo setembro está associado a sete e outubro/oitembro/oitubro a oito, assim como novembro e dezembro estão associados a nove e dez, respectivamente. Intuição certeira, embora não seja a hora de explicar-lhe que no primeiro calendário do mundo ocidental, o calendário de Rômulo, datado do século VIII a.C., esses meses, realmente, estabeleciam uma ordem de sete a dez, no ciclo anual daquele calendário de dez meses, cujo início se dava em março: março (em homenagem ao deus Marte, pai dos gêmeos Rômulo e Remo),
Diário da Pandemia Ópera visual em quatro atos Introdução Desde o início de 2020, a humanidade tem sido sobressaltada pela diss...
O Claustro
Ópera visual em quatro atos
Da janela do meu apartamento, vejo o quintal da casa lá embaixo. Largada, ao lado da churrasqueira, uma pequena bicicleta. Sob uma árvore,...
As pessoas e as coisas
A gripe é sobretudo uma agressão moral. Você sabe que ela não vai lhe matar, mas o estado a que o reduz é lastim...
Gripado
A medicina criou um nome pomposo para designar a gripe – influenza, que vem do italiano. É um termo simpático e que até nos dá vontade de passar pela experiência. Parece haver certa nobreza numa afecção cujo nome evoca a pátria de Dante e Michelangelo. Mas a empolgação acaba quando vêm os espirros e a febre (ou melhor, a febrícula, com esse sufixo derrisório). Seu moral começa a balançar, e o corpo pede cama.
Duas palavrinhas que podem significar nada ou tanto, ignorância ou sabedoria. No cotidiano, quantas vezes não as dizemos a propósito de t...
Não sei
Assistindo a uma entrevista de Luiz Felipe Pondé, chamou-me a atenção quando ele disse que, em filosofia, “não sei” é uma resposta profunda. Veja só.
Calar; apagar; esconder; desfazer; emergir; fingir, são vestimentas adquiridas, ou criadas, para ocultar, ou mesmo proteger a “essênci...
'Inté'...
A insegurança do “não”, lançada por outros ou por si mesmo, impede que o “verdadeiro” seja mais forte que o “cômodo”.
É mais indolor e fácil calar, e até concordar, do que retrucar, explicar e desmentir.
I Minha terra é uma ilusão da linguagem. Tenho de meu esse rastilho de palavras que pressinto atadas aos calcanhares. Se o d...
Balada dos ossos
Minha terra é uma ilusão da linguagem. Tenho de meu esse rastilho de palavras que pressinto atadas aos calcanhares. Se o desfaço, perde-se o encantamento das vivências cerzidas. Sei que as mãos ensaiam obscenidades entre dois espelhos. Quero mesmo criar algumas reentrâncias na estrutura dos olhares. Mas olhos extraviados não ardem no lugar comum em que me perco...
Quem não conhece a tal de babosa? Cientificamente chama-se Aloe vera, uma espécie de folhagem pontiaguda e altamente suculenta. Cresce se...
Meu pé de babosa
Consta-me que a babosa tem muitas aplicações junto ao público feminino: trata queda de cabelos, hidrata as madeixas de nossas beldades, elimina aquela incômoda farinha chamada caspa,
Só alguns traços, o vinco da boca, a testa bem pronunciada e a cabeça pra cima, como cego, passavam-me a impressão de estar vendo meu amig...
Será ele?
Do final dos anos 1940 até o dia em que o jornal informatizado excluiu dos seus quadros a revisão de provas, ninguém teve o direito de ser melhor na função do que ele. Era o maior de todos nós, dizia Oswaldo Duda Ferreira, depois juiz, tão apegado ao castiço que nem nos sobressaltos consegue esquecer a gramática.
Das folhas de mato Vem sem o menor aviso E apesar de toda bravura Chega manso e acolhedor Parei de buscar explicação Aliá...
Fluir é melhor que controlar
Vem sem o menor aviso E apesar de toda bravura Chega manso e acolhedor Parei de buscar explicação Aliás, cessei toda busca Está tudo dentro e aflora no seu Tempo Apenas colho as flores miúdas nos dias de Lua Um perfume açucarado Que não deixa espaço Pra dúvida