Quando visitei Taperoá em remota ocasião, acompanhado de Gonzaga Rodrigues e do fotógrafo Antônio David para encontrar Dorgival Terceiro ...

Quando visitei Taperoá em remota ocasião, acompanhado de Gonzaga Rodrigues e do fotógrafo Antônio David para encontrar Dorgival Terceiro Neto, a região era paisagem devastada, com aspecto desolador.

No aceiro da Serra do Pico, espalhando-se pelo entorno, a vegetação era somente graveto, sem nenhum vivente. No leito seco do Rio Taperoá, que banha a cidade, um magote de cabras passeava.

Depois de ler o mais recente livro de W. J. Solha, 1/6 de laranjas mecânicas, bananas de dinamite (1ª ed. Cajazeiras: Arribaçã, 2021), es...

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Depois de ler o mais recente livro de W. J. Solha, 1/6 de laranjas mecânicas, bananas de dinamite (1ª ed. Cajazeiras: Arribaçã, 2021), escrevo, não com a frieza e cálculo do crítico, mas sob o impacto da recepção. Escrevo como leitor impactado, na ânsia do querer absorver a poesia.

A arte é essencialmente estesia (αἴσθησις). A maneira como ela repercute em nós, invadindo-nos e remexendo as nossas emoções, leva-nos a definir o que sentimos diante dela. Aristóteles sabia disso e por esta razão trocou a preocupação ética de Platão com a mimese, na formação da educação da criança (παιδεία), essencial para a construção da república (πολιτεία), pela investigação da mimese como estética, procurando saber de que modo ela atinge as emoções do público espectador da tragédia e, por conseguinte,
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o leitor, ao produzir uma catarse – a um só tempo alívio, purificação e saneamento –, através do medo e da piedade.

Sim, a arte é mais para sentir do que para compreender. Sou, contudo, professor. Tenho, pois, uma necessidade de organizar, na mente, o que leio, para poder alcançar um mínimo que seja de sua compreensão, mesmo estando em plena fruição de um estado de estesia.

Solha já orienta o leitor, ao fixar o pacto arquitextual, definindo seu livro como “o quinto, de seis tratados filosófico-poéticos”. Só essa definição abriria uma larga e longa discussão a respeito do poder que tem o autor de definir ou não a natureza do que escreve. Faço questão de frisar que a discussão seria sobre o poder, não sobre o direito, pois direito todos temos de definir qualquer coisa, o que não significa que essa definição seja a mais acertada. Deixemos, no entanto, essa discussão para outra hora ou para que outros a encetem.

De início, trago duas discordâncias, que atingem a parte, digamos didaticamente, filosófica de seu tratado. A primeira delas, com relação ao que se diz sobre Platão, pela boca de seu personagem Sócrates. É certo que fazer o bem a todos e sempre é o caminho para a justiça. Pior do que receber uma injustiça é cometê-la. Mas na construção de sua Pólis, Sócrates não descarta a existência de uma teologia, cujos princípios devem ser ensinados ou não a homens que, desde a mais tenra infância, devem honrar os deuses, honrar os pais e amarem-se, não pouco, mutuamente (República, Livro III, 386a). O amor está lá, portanto, como essencial à justiça, essa virtude da alma.


O outro ponto de discordância é a respeito da tradução de “logos” (λόγος), no início do Evangelho de João, como “razão”. A nosso ver, e atentando para a estrutura desse texto, “lοgos” é o verbo/palavra, a substância que faz de Jesus um ser substantivo, essência primeira da espiritualidade e da imortalidade. De acordo como o apóstolo evangelista, Jesus é luz, pão, água, pastor, caminho, verdade e vida.

Ora, estas são discordâncias apenas do ponto de vista filosófico, estritamente atinentes a uma das partes de que se compõe o livro de Solha. Além do mais não significa que estejamos com a razão. Em nada, estas discordâncias invalidam o produto poético que Solha nos oferece, pois, como criação do espírito, tudo o que ali se nos apresenta está perfeitamente adequado.

Partamos de uma constatação engenhosa de Solha:

Poeta não é p(r)o(f)eta.

Solha nos propõe uma dupla leitura: o poeta não é poeta; o poeta não é profeta. Ao seguirmos com atenção toda a engrenagem de seu poema, vemos que, em realidade, há uma terceira possibilidade que o leitor poderá ou não descobrir: o poeta é poeta, quando se faz profeta. Expliquemos.

O poeta não é poeta, porque no sentido grego da palavra, ποιητής, poeta não tem a significação restrita que lhe empregamos literariamente. Poeta é um agente, é o que faz, o que fabrica algo material, tanto quanto o que produz um texto literário. O resultado de sua ação, o algo fabricado é o ποίημα, o poema, que pode ser uma mesa ou uma peça literária; o exercício dessa produção, aquilo que o leva a produzir é a ποίησις, a ação de criar, termo mal traduzido por “poesia”, gerando mil confusões. A ποίησις é algo intangível, tanto quanto o poema é algo tangível, a própria materialidade, resultado da ação criadora. Assim, nem todo o que cria algo, mesmo sendo poeta, no sentido literal do termo,
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Calíope ▪ musa da poesia épica
não o é no sentido literário do termo – o poeta não é poeta, necessariamente.

Hesíodo nos diz como se deu a transformação do homem preocupado apenas com o estômago (γαστήρ), preocupado em sobreviver materialmente, naquele que cria para o alimento do espírito (ποιητής). As Musas sopram na boca dos pastores e lhe dão esse poder criativo, que vai além da materialidade (Teogonia, versos 22-34) e junto ao sopro criativo segue um dos atributos das divinas filhas de Zeus: a capacidade de saber dizer o presente, o passado e o futuro – o poeta é (e não é) profeta, ainda que não seja o profeta tradicional de falar, como oráculo, pela boca dos deuses. Esta capacidade de criar e antecipar acontecimentos, seja pelo sonho, tão bem delineado por Solha, em seu livro, ao falar de Mendeleiev, de Bohr e de Mary Shelley, seja citando Enzo Paci – “Nunca estamos completamente acordados,/nunca estamos num sono completo” –, revela a visão especial do artista e também do cientista, visão que impulsiona a nossa capacidade criativa, como se fora uma profecia.

Entremos, então, no terreno da criação de Solha, como poeta, no sentido literário que se empresta ao termo. O poeta é um homem inquieto, pois sabe que a criação não para. Nesse ciclo interminável, tudo se interliga: olhares novos, olhares cediços, olhares renovadores. O olhar de Solha é sobre o humano, mais do que isto é olhar sobre a vida, esse milagre constante, que faz que sejamos contempladores, como diz Richard Dawkins, do maior espetáculo da terra. Solha, em seu livro expõe um olhar criativo e criador sobre aquilo que nos faz diferentes dos demais seres vivos, aquilo que nos dá a capacidade de criar, para a praticidade do viver e para a satisfação do espírito, por causa de nossa insatisfação de viver apenas materialmente.
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TV Câmara ▪ JP
Eis Hesíodo em cena. Nesta busca da criação, estamos sempre recomeçando, de ab ovo a ab ovo, como nos mostra o seu instigante poema.

Tudo é uma grande, incessante, contínua e sempre reiniciada viagem. É assim que vemos o poema: uma viagem, que envolve da criação biológica e a consequente evolução das espécies, à criação tecnológica e, ainda mais, à criação artístico-filosófica, sendo a arte e a filosofia as maiores expressões do refinamento da linguagem humana. Solha não faz e nem nos apresenta esta viagem sem que nos revele a existência das infinitas redes de contatos; as viagens e migrações, que nos põem em conexão com tudo e com todos. Não importa se essa viagem comporta um deslocamento material ou deslocamento do pensamento, em todos os aspectos ela é fascinante, porque a vida e suas variadas possibilidades é o que de mais fascinante tem o universo para nos apresentar. Só quem possui um horizonte de expectativa amplo, porque insaciável na busca pelo conhecimento, é que pode, como Solha, nos revelar a miríade da capilaridade dessa rede infinita.

Acreditamos ser o homem o mais fascinante dos animais, por sua racionalidade, pelo seu cérebro desenvolvido, por ser capaz de criar coisas maravilhosas, de modo a poder ir além das leis inflexíveis que a natureza nos apresenta (claro que se os animais pudessem se exprimir de modo inteligível, isto seria questionado). Em contrapartida, somos também capazes das maiores atrocidades, que destroem a natureza e a nós mesmos. Nosso cérebro incrível e nosso polegar opositor não nos livraram da insanidade e fazemos, desde muito, uma viagem de destruição, com a criação de armas letais – do ficcional, mas plausível Cavalo de Troia à real, mas implausível bomba atômica –, paralela a uma viagem artística, que teima em nos prender a uma capacidade de criar mais do que destruir a vida. Falta-nos essa consciência, no entanto. E Solha nos apresenta isto numa síntese perfeita:

Mas, no Holocausto, Mefisto também perdura em Fausto.

Em todos os aspectos, brilhante! Criamos, a um só tempo, maravilhas e atrocidades. E a criação das atrocidades são feitas, muitas vezes, dentro de uma lógica programada, como foi o Holocausto. É Da Vinci criando obras de arte inigualáveis e também projetando armas, dos rudimentares tanques de guerra a torres de assalto. Como pode o homem ser ao mesmo tempo racional e “maluco”, oxímoro que acompanha a nossa existência? O poeta capta a nítida evolução na espécie, ao produzir tecnologia sofisticada, ao mesmo tempo sem avançar na evolução humanitária:

A marcha, embora sempre pra frente, frequentemente murcha.

O que seria desalento para muitos, para o poeta é mais uma razão para seguir em frente. Não será a queda de Ícaro que nos fará parar de pensar em voar alto. Fazer a viagem é preciso, continuar a viagem é fundamental, mesmo que nos arrisquemos, aqui e acolá, a fracassos e retrocessos. Nesse processo contínuo, a linguagem e suas narrativas são partes essenciais, para que saibamos e enfrentemos as dificuldades de viagem tão turbulenta, em que arte e razão parecem tão irreconciliáveis. O poeta parece ser o homem confrangido entre os conflitos e as delícias de ser homem. Somos geniais? Sim, “...nada menos, nada mais”, mas sentimos que isto não nos basta.

Na epifania de ter-se dado conta de que tudo está interligado, “como se uma toalha me abrisse a clareira – entre seixos e um xique-xique – para um piquenique”, Solha vê-se parte integrante e inalienável de uma arte reveladora de um fantástico sistema de vasos comunicantes, assim como a vida, mas que necessita de que descubramos os seus encaixes, para que a viagem não se estagne, afinal:

Séria ou travessa, a vida É um quebra-cabeça. ............. cada coisa, simples ou complexa, a nos levar, o tempo todo, a outra, conexa,

O sussurro em Dom Casmurro e os canhões em Os sertões produzem Guerra e paz. Tudo num ritmo perfeito, que rejubila o nosso ouvido.

Todas as coisas estão integradas a um grande sistema, sujeito a marchas e contramarchas, enquanto pensarmos que a razão e o raciocínio são suficientes para nos levar à paz, à harmonia, à justiça e ao respeito ao próximo. Nessa receita, contudo, há que entrar um outro ingrediente ou o mundo explodirá e aumentará ainda mais a sua fragmentação. Solha, num poema fragmentado, mas unido pelas conexões que o sistema permite e por uma criatividade excepcional e turbilhonante, nos deixa ver além das laranjas mecânicas e das bananas de dinamite.

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É neste momento que entra o diligĕre do “Sermão da Montanha” a que Solha se refere, “como se,/ali,/estivesse/amare”. Amar está, sim, Solha, mas o amor incondicional, amor da escolha, por isto na composição do verbo diligĕre, que corresponde ao verbo ἀγαπάω, que se encontra no original grego (ἀγαπήσεις, ἀγαπᾶτε, ἀγαπήσητε, ἀγαπῶντας, Matheus, 5, 43-46), estão a preposição dis (separação) e o verbo legĕre, cujos sentidos antes de ser “ler”, compreendem o “colher” e o “escolher”. Diligĕre é, literalmente, distinguir pela escolha, amar incondicionalmente. Eis o ingrediente que falta.

Ao empreender essa viagem de fluxo incontrolável, tomando o leitor como passageiro, Solha nos proporciona a delícia de acompanhar a paisagem diversificada de sua mente brilhante. Não resta ao leitor senão o impacto diante da criatividade e da criação que se produzem infinitamente.

O Star+, mais um serviço de streaming para concorrer com Netflix, HBO Max etc., começou a operar recentemente no Brasil trazendo um bom c...

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O Star+, mais um serviço de streaming para concorrer com Netflix, HBO Max etc., começou a operar recentemente no Brasil trazendo um bom catálogo de filmes mas, sobretudo, um biscoito fino para fãs dos Beatles: McCartney 3, 2, 1, produção lançada neste ano e que nada mais é do que um ótimo papo entre dois músicos que se mostram, acima de tudo, grandes fãs de música.

Início de meu romanceamento do ÉDIPO REI, de Sófocles, em minha HISTÓRIA UNIVERSAL DA ANGÚSTIA, ed. Bertrand Brasil 2005, finalista do Jab...

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Início de meu romanceamento do ÉDIPO REI, de Sófocles, em minha HISTÓRIA UNIVERSAL DA ANGÚSTIA, ed. Bertrand Brasil 2005, finalista do Jabuti em 2006, Prêmio Graciliano Ramos, da UBE – Rio do mesmo ano.

Édipo ficou por um átimo fora e dentro do pesadelo, sem saber se o rumor e o tremor subterrâneos que ouvia eram ou não reais - ou os dois - , bem como os estrondos, a gritaria, as sirenes de ambulâncias e de carros de polícia misturando-se à zoada dos desmoronamentos e de esguichos de água e gás, sufocado pela fumaça, pelo pó e por uma fedentina intensa de carne e cabelos queimados, mofo liberado, esgoto e tumbas inesperadamente abertos. Arregalou os olhos quando viu parte do teto fundo se soltando e crescendo em sua direção, com lustres, estuque e tudo mais. Jogou-se do leito ouvindo o ronco do desastre, correu em meio à caligem e ao caos, protegendo o rosto das vidraças detonadas, perdeu-se várias vezes entre corredores e quartos, até que se viu, finalmente, no terraço, mas não lhe foi possível sentir alívio algum, pois o palácio sacolejou de novo. O rei da cidade tentou manter-se em pé mas caiu de joelhos, reerguendo-se curvo e devagar, como no dorso de um monstro, vendo o edifício Chronos, ao lado, soçobrar em meio a um rastro vertical de pó, no que um outdoor da Coca-Cola dobrou sobre si mesmo, com um esgar de flandres que se amarrotavam, enquanto, à direita, esfacelava-se o impressionante mural publicitário do espetáculo “Gigantomaquia”, feito de toneladas de concreto que representavam, em alto-relevo, a última batalha dos Gigantes contra os Deuses.

Para: ▪ Hanna, que faz aniversário no Dia das Crianças! ▪ Tomáz, meu Príncipe de Gales! ▪ Samuel, meu primeiro sobrinho-neto! Com essa ...

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Para: ▪ Hanna, que faz aniversário no Dia das Crianças! ▪ Tomáz, meu Príncipe de Gales! ▪ Samuel, meu primeiro sobrinho-neto!

Com essa estória do alvoroço deste último Dia das Crianças, e de toda a parafernália das lojas de brinquedos etc e tal, comecei a pensar nos meus tempos de criança, do que gostava e do que fazia.

Novo e de odor suave, antigo de muitos aromas armazenados pelo tempo... Livros físicos são tipo frascos de perfumes. Uma estante cheia de...

Novo e de odor suave, antigo de muitos aromas armazenados pelo tempo... Livros físicos são tipo frascos de perfumes. Uma estante cheia de fragrâncias variadas. É possível sentir a história, interpretar os cheiros, embriagar-se com cada sensação da leitura. Tramas, personagens, capas, tipos gráficos, impressões, tudo se mistura na bagagem que o leitor domina com as mãos, acaricia com os olhos, mergulha com a mente e deixa penetrar-se na alma.

Eu acredito que boas histórias são como saúde e dinheiro; sempre bem-vindas, como essa que ora transcrevo e que realmente aconteceu tempos...

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Eu acredito que boas histórias são como saúde e dinheiro; sempre bem-vindas, como essa que ora transcrevo e que realmente aconteceu tempos atrás na cidade de Pombal, aqui na Paraíba. Quem me contou foi o amigo Soneca, uma verdadeira hipótese, como diria Dr. Dorgival se o tivesse conhecido. Diz Soneca que vivia naquela cidade um comerciante conhecido como Severino Cafazeste. Era assim mesmo, com z, pelo menos o dono da história é quem garante.

Tudo, ou quase tudo, é possível na poesia. Do hermetismo ao prosaísmo. Da metafísica ao pragmatismo. Liberdade é o que não falta, desde qu...

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Tudo, ou quase tudo, é possível na poesia. Do hermetismo ao prosaísmo. Da metafísica ao pragmatismo. Liberdade é o que não falta, desde que não se dilua a essência do poema.

Macro e microscopicamente imensurável, a poesia atinge nas Letras a amplitude e diversidade criativa semelhante ao que se consegue na Música. Mesmo sem discordar da professora Ângela Bezerra de Castro, para quem “só a música supera a poesia”, hei de considerar a dificuldade em estimar os limites da beleza em ambas. Ou até de separar uma da outra.

Segundo a Doutrina Espírita, na questão nº 919 de O Livro dos Espíritos , o conhecimento de si mesmo é a chave do progresso individual. ...

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Segundo a Doutrina Espírita, na questão nº 919 de O Livro dos Espíritos, o conhecimento de si mesmo é a chave do progresso individual. O Conhece-te a ti mesmo, exarado no templo de Delfos na antiga Grécia, atesta que o autoconhecimento representa a base fundamental para uma vida feliz, isenta de tormentos que cabe a nós evitar. Quantos tormentos não seriam evitados se nos conhecêssemos melhor? Se tivéssemos consciência do nosso potencial, como também das fragilidades que ainda possuímos?

Quando José Lins do Rego publicou Usina , em 1936, e ofereceu a Graciliano Ramos, o romancista alagoano, que a intelectualidade brasileira...

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Quando José Lins do Rego publicou Usina, em 1936, e ofereceu a Graciliano Ramos, o romancista alagoano, que a intelectualidade brasileira viria a entronizar depois, era preso político confinado na Ilha Grande.

Em Memórias do Cárcere, encontra-se o registro da explosão de sentimentos provocada pela dedicatória. Sentimentos aparentemente paradoxais, mas que se fazem compreensíveis pela circunstância vivida. Quase de revolta contra o amigo que se arriscara na solidariedade da homenagem. O recado através de Heloísa revela o nível da preocupação:

No dia em que a morte bateu à minha porta, eu a recebi com um sorriso sincero. Ela entrou, de vestido amarelo, e espiou ao redor, muito ca...

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No dia em que a morte bateu à minha porta, eu a recebi com um sorriso sincero. Ela entrou, de vestido amarelo, e espiou ao redor, muito calma. Viu as flores frescas que comprei para esperá-la, e alisou o penteado novo. Gostou? Sacudi a cabeça, emendando que estava linda. Parecia mais jovem (e isso não era verdade – ambas sabíamos muito bem). Recusou o café: “Faz mal para o meu refluxo”, disse, polida e risonha.

Flora nasceu um ano depois da abertura do meu berçário — (sim, eu tive um berçário! —, a Escola Casa Aldeia Cresça. A experiência de t...

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Flora nasceu um ano depois da abertura do meu berçário — (sim, eu tive um berçário! —, a Escola Casa Aldeia Cresça.

A experiência de ter uma filha dentro da dinâmica do Aldeia Cresça foi extremamente positiva, tanto para mim, que pude ampliar a nossa relação para além dos laços de mãe e filha; como para ela (eu imagino!), que desde o princípio teve uma rotina dividida, compartilhada com outras crianças com as quais estabeleceu um elo profundo que perdura até hoje, experimentando vivências de muita autonomia,

Aconteceu em 26 de dezembro de 1859. Com dona Tereza Cristina, a imperatriz, a reboque, Dom Pedro II desembarcou do APA, no Porto do Varad...

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Aconteceu em 26 de dezembro de 1859. Com dona Tereza Cristina, a imperatriz, a reboque, Dom Pedro II desembarcou do APA, no Porto do Varadouro, ainda profundo o suficiente para receber, em plena João Pessoa, o vapor da frota imperial.

No dia seguinte, cedo da manhã, ele pegava o rumo de Pilar, na época o coração da Zona Canavieira da Paraíba. Viagem feita a cavalo, com dona Tereza, numa carruagem, a tomar poeira. Cavaleiro exímio, o homem puxou o ritmo da marcha e, logo mais, com sua comitiva, batia à porta do Engenho São João para o desjejum.

“If I could say it in words there would be no reason to paint” (Se eu pudesse dizer em palavras, não haveria razão para pintar) Edward ...

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“If I could say it in words there would be no reason to paint” (Se eu pudesse dizer em palavras, não haveria razão para pintar)
Edward Hopper

Cada pintura de Edward Hopper é um instante do tempo, capturado, agudamente percebido, com o máximo de intensidade.

Ele muito raramente discutiu seu método de trabalho ou tentou dar explicações para sua arte. Apenas disse: “muito da arte é uma expressão do subconsciente, e que para mim suas mais importantes qualidades são nelas colocadas inconscientemente. De tal modo que muito pouco dela deriva de uma atividade intelectual consciente, e, indo adiante, que a pintura surge do ponto zero da verbalização, de onde nada pode ser dito: Se você pudesse colocar isto em palavras, não haveria razão para a pintar.”

O soneto “Apóstrofe à Carne”, publicado em Outras Poesias, é um dos que bem exemplificam a estética dissonante e segmentada de Augusto dos...

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O soneto “Apóstrofe à Carne”, publicado em Outras Poesias, é um dos que bem exemplificam a estética dissonante e segmentada de Augusto dos Anjos. Nesse poema estão presentes alguns dos tópicos relevantes de sua obra – como o sentimento da morte próxima, a antevisão da própria decomposição física, o julgamento negativo e moral da carne (sexual e perecível) em confronto com o espírito, o desconforto com a hereditariedade (cujo veículo – a conjunção carnal – o eu lírico rejeita). Eis o texto, que a seguir brevemente apreciamos:

A Paraíba tem essa sorte, a de atrair valores de outras plagas, que aqui chegam, se enraízam e se paraibanizam. Citarei apenas três exempl...

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A Paraíba tem essa sorte, a de atrair valores de outras plagas, que aqui chegam, se enraízam e se paraibanizam. Citarei apenas três exemplos mais recentes que me vêm à lembrança, sabendo, entretanto, que muitos outros existem: o maestro José Alberto Kaplan, a escritora Maria Valéria Resende e o multiartista W. J. Solha. Kaplan era argentino, de Rosário, e Maria Valéria e Solha são paulistas, ela, de Santos, e ele, de Sorocaba. Deter-me-ei (eita gramática braba!) neste último, para modestamente juntar-me às homenagens por seus oitenta anos, completados neste ano de 2021.

Não preciso ser católico para sentir o Círio. A expressão de fé e as energias amorosas, facilmente percebidas, ainda que sem uma sensibil...

cirio nazare belem para fe religiao romaria
Não preciso ser católico para sentir o Círio. A expressão de fé e as energias amorosas, facilmente percebidas, ainda que sem uma sensibilidade mais ostensiva, revelam a força e grandiosidade dessa coletividade vibrante e impregnada de gratidão.

Maria e todos os Benfeitores de sua legião estão mais próximos e de tão real - e forte - quase conseguimos tocar com as mãos da matéria.

      TABAGISMO quando acho uma imagem, trago-o. e mais o trago se não a encontro. (de imagens e não-imagens, entulho os brôn...

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TABAGISMO
quando acho uma imagem, trago-o. e mais o trago se não a encontro. (de imagens e não-imagens, entulho os brônquios).

O destino dos livros em Serraria era algumas casas na rua principal e ao redor da praça central, e objeto de adorno de salas nas casas...

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O destino dos livros em Serraria era algumas casas na rua principal e ao redor da praça central, e objeto de adorno de salas nas casas-grandes de engenhos no tempo quando já estavam a caminho de apagar a fornalha.

No sítio onde morávamos restavam, na maioria das vezes, revistas sobre agropecuária e a desbotada Bíblia, de modo que somente em Arara, já entrando na metade da segunda década de minha vida, cobicei a biblioteca de Marísio Moreno. Quando cheguei para morar nesta Capital, em 1971, ampliei o olhar à estante apinhada de livros que Nathanael Alves abriu para mim e que, depois, Gonzaga Rodrigues ensinou como escolher a melhor leitura e dela tirar proveito.

Domingo passado, após o almoço, fui, como de hábito, fazer a sesta no terraço de casa, contemplar o meu álacre jardim, enquanto degustava ...

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Domingo passado, após o almoço, fui, como de hábito, fazer a sesta no terraço de casa, contemplar o meu álacre jardim, enquanto degustava uma deliciosa sobremesa. Uma cenazinha pacata do cotidiano, mas, como nos lembra o poético Yasujiro Ozu, “a rotina tem seu encanto”.

Pois logo o encanto foi quebrado. Vinda de uma das casas vizinhas, uma música alta tomou conta da tarde.

Capítulo I Espreitando o espírito iluminado de Gonzaga Rodrigues, lendo a sua bela crônica sobre a Rua Direita , agressivamente cham...

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Capítulo I

Espreitando o espírito iluminado de Gonzaga Rodrigues, lendo a sua bela crônica sobre a Rua Direita, agressivamente chamada pelos ignaros extemporâneos de Duque de Caxias, e por todos aqueles que ignoram a dimensão secular das ruas da Parahyba de então. Rua Direita que na memória fisiográfica “urbana” sempre foi, e para os que têm a dimensão sentimental desta cidade, ela, sempre será a artéria que secularmente irrigou com alegria a nevralgia do centro desta cidade.

O escrito do Neguinho Gonzaga me aguçou o desejo de dedilhar e rever os meus passos na infância e na juventude sublimando cada passo, e em cada olhar, revi e vivi com felicidade a Rua Direita. Ela era um dos meus apreciados endereços afetivos.
A rua dos meus avós, dos amigos da infância e adolescência. A rua da primeira paixão aos 13 anos em que os hormônios despertaram para o sentido de um amor ainda infantil. Declarei-me timidamente: você quer ser a minha namorada? Ela fez um afirmativo e discreto e lindo sorriso. Não passamos desta mise em scène sem palco e sem atos. O tempo nunca esmaeceu aquele primeiro amor.

A minha caminhada reluzindo da memória, começou no Cruzeiro do pátio de São Francisco onde com dificuldades nos meus dez anos tentava escalar aquele monumento. Era o terreiro de Quincas Brito, com quem batia pelada com ele, Castanha e Péricles Ombreira. O adro da Igreja, as largas calçadas da Rua Nova, a quadra do Lins de Vasconcelos era o nosso chão onde proliferavam grandes topadas.

A memória me conduziu em lentos passos a rever o belo casario, iniciando pela Academia de Letras que pertenceu a recatadas professoras da família Mesquita. Olhando a margem direita, fiquei imaginando Orlandinho, e Maria Santiago née Cavalcanti, esta uma das mais belas donzelas da minha geração. Tinha cabelos pretos e sedosos como as asas da craúna vide Iracema a virgem dos lábios de mel. Ao lado da casa deles, havia morado o Juiz Maurício Furtado, pai de Celso.

Ao lado, pude distinguir o casarão de Seu Sassá Norat que recolhia os travessos Hardman, Ives, Badu, Marquinhos e muitos outros filhos que faziam travessuras na vetusta rua. Os meus passos, se paralisaram diante da casa de meus avós Luiz e Carolina Lopes de Mendonça. Lembro-me de uma frondosa goiabeira na qual minha delicada e culta avó pendurava suas peneiras com passas de caju. Eu e os primos, especial Beto Oião dizimávamos sempre as suas sedutoras passas.

Pude ainda sentir ressoando os chamamentos das minhas tias Lucila e Bernadete: "Franz — era o meu apelido —, sai da rua menino". Desobediente prossegui e me postei diante da casa do Professor José de Mello e D. Maria que abrigavam, entre muitos filhos, o grande e valoroso Humberto, e, entre outros, Gilson, o Caveira, Heraldo e Celso. Educadas e recatadas, pude ver os vultos de Maria Lúcia e Maria Helena. A grande e serena Maria Lúcia que sempre percorreu a sua trajetória humana, como médica e mulher com a grandeza de um ser superior. A minha queridíssima Comadre, que se casou com meu primo Carlinhos, e que me concederam esta honraria muitos anos depois.

Mais à frente, a memória me reeditou as imagens infanto juvenis de Gabriel, Zé Elias, Chico e a formosa Ângela, todos os rebentos de Sr. José Metri. Nesta mansarda, residia também o meu estimado e atencioso professor de biologia Antônio Augusto de Arroxelas, a quem chamávamos jocosamente de espirilo.

Andava espionando as casas, apenas ouvia as risadas e as brincadeiras, das quais eu sempre participava com os pupilos de Waldemar e Ivanda Nunes do Rego, pais de Leninha, Francisco Eduardo, o Babinha, Ani e Leonor. Na primeira esquina dava para sentir o halo do brilho e da beleza de Selda Rolim, irmãzinha do inteligente e bem comportado varão Sergio Rolim. A casa dos avós deles, em sua sala, ostentava uma rara beleza ornamental do forro de madeira finamente lavrada no estilo neoclássico.

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ESQ ▪ Os irmãos Selda e Sérgio, com os pais, Zuleida Rolim e Francisco Mendonça.
Fonte: livro "O Caçador de Lagostas", de Sérgio Rolim Mendonça.
DIR ▪ A casa do avô, Romulado Rolim, na Rua Direita.

Do terraço de Ivanda sempre acenávamos para o Padre Juarez Batista, o nosso Juju, cabelos revoltos, e que ainda ajeitava a embaraçosa batina, sempre atrasado ia para a Catedral. Figura luminar, que quando descia a Rua Direita levava horas, proseando para chegar ao Ponto de Cem Réis. Era muito querido e admirado.

Prosseguindo no lado direito, me acomodando, passei a recordar apenas os apelidos que começaram fluir à margem da residência de Seu Ciro, dono da loja o Faqueiro, que sabia ser o esconderijo de Xaréu e Albacora, e de Ciro, o seu filho mais velho.

Na sequência, não me contive em observar as moradas de Lúcio, Pé de Valsa, e a sua bela irmã Lucinha. Ali em frente, estava o Armarinho de Seu Viana, que nervosamente irritadiço nos atendia
quando íamos comprar bolas de gude e outras indefinidas bugigangas. Não ligávamos para o grau de insuportabilidade demonstrado ao nos atender sempre com o indisfarçado mau humor: "Vão querer o quê?"

A memória me vaticinou a fazer o reconhecimento dos múltiplos personagens pelos apelidos, muito dos quais foram irreverentemente gestadosno Pio X e nas peladas. Foram os casos de Marcelo Piola, Catabi, Catapora e Catapeba os gordinhos que não economizavam os sapatos Clarks chutando as pontas de calçadas. Vizinho de Roberto Peru, era a Casa de Eudoro Chaves. O apelido Peru viera de cenas cômicas do Pio X, em que ele secundava o velhinho Irmão Anastácio que cuidava de um criação de muitos perus.

Passando pelo Beco da Companhia de Comércio PB/PE que existira no século XIX, e que desembocaria na Maçonaria da Rua Nova. Em seguida divisava a Chefatura de Polícia com o seu repelente camburão, uma Chevrolet preta 1948, da RP, a rádio pancada, guardada repressivamente por Balbino, um policial que não hesitava em invocar o seu bastão de borracha. Ele era terror dos incipientes delinquentes. Balbino respeitava apenas Newton Borges — amigo de meu pai —, que valentemente o surrara na calçada-bar do Cabo Branco. Perto dali, podiam-se ouvir os gritos abafados que vinham dos confessionários. Reinava o Capitão Belmont.


Defronte à Chefatura, estava a Praça Rio Branco, que frequentava assiduamente lá trabalhavam na bela agência dos Correios a minha mãe e a minha tia Bernadete. Passava timidamente pelo suspeito bar do Camonge, cujo dono era deficiente de um olho, frequentado pelos pés de cana, que bebericavam, e tinham por parede um caldo de ovo de boi que era propagandeado numa lousa – Caldo de colhões. À frente ficava o Foto Stuckert, onde podia se divisar Guilherme, que secundava o pai.


Ao lado da Polícia, e sob a sua proteção, se homiziava ordeiramente uma figura com singular nome de Luiz de Marillac, casarão que abrigava também a escola de datilografia de D. Alzira, minha professora, que não hesitou em me dizer: Meu filho vá fazer outra coisa, faz uma semana e você não consegue passar do a s d f g, o primeiro exercício. Você será sempre dedógrafo. Revoltado, fui embora... semi-desmoralizado.

Capítulo II

No lado direito da Rua Direita a curiosidade me empurrava para ver as bacanas se lapidando pelas mãos de D. Edith, a cabelereira mais famosa da cidade. Vizinha estava a redação do Jornal O NORTE. Nunca adentrei, mas ouvia os sonidos tipográficos. Quase em frente estava a Farmácia do Seu Teixeira, que era vizinha ao Restaurante Lido muito frequentado pelo meu pai, amigo que era do Coronel Fialho, e de Inácio Pedrosa, os donos, sempre atenciosamente atendidos pelo garçom Cobrinha.

Na esquina da Rua Direita com o Beco da Misericórdia, estava a imponente sede do Cabo Branco, que com frequência ia ver os habitués do xadrez, lembrei-me de Yves Beach desafiando Chico Espínola, Arnaldo Tavares, ou Ivo Bichara, ameaçando sempre os concorrentes com seus xeque-mates. Era imbatível no relógio. Havia várias sinucas, mesas de jogos de baralhos onde foram destronados muita gente abonada, e o indefectível Pelé Tuxaua dos Índios de Mandacaru. Fazia um café irretocável. Sempre dava uma espiada nas vitrines da Livraria de Benevides em frente ao Cabo Branco. Na diminuta loja Seu Ciro, o Faqueiro fui presenteado pelo meu pai com uma linda capa de Gabardine, marrom clara, que me fez parecer um diletante imitador da extremada elegância de Humphrey Bogart.

Conhecia e frequentava muito o Cine Rex, com um porteiro intransigente Seu Etelvino, que nos tangia para não entrar nos filmes interditados para os menores de 14 anos. Era insuportável e repugnante a sua vigilância. Era muito difícil ludibriar. Só conseguíamos quando ele ia ao banheiro. Não conseguiu segurar a enxurrada de fãs quando foi exibido O Balanço das Horas – Rock Around the Clock com Billy Halley e seus Cometas nos idos de 1958. Pararam a sessão, e chamaram a polícia tamanha era a algaravia e alucinação destruindo muitas cadeiras do Rex. Ia às sessões matinais, aplaudia Fumanchu, e fazia um escambo de Gibis. Os mais cotados eram os heróis Rock Lane, Roy Rogers, Hopalong Cassidy e Jesse James.

O Salão João Mata, estava ao lado do Rex, e era dirigido pelo barbeiro Severino, que nos impunha cortes de cabelo à la Jack Deman, canastrão hollyoodiano no estilo zero de recruta. Um desastre agravado pelos selos que nos eram infligidos no colégio.

Em frente ao Salão, estava o Restaurante Flórida, de Zezé Laet, vizinho ficava a Sinuca de Seu Salú, onde íamos goderar e espionar os jogos dos outros. Mais atraente era ir à Casa dos Frios do alemão, Seu Ernesto, pai de Gasolina e Erica, meus colegas de Pio X. Era permitido que tomássemos um chope com ovos cozidos coloridos. Em seguida, íamos para o bar de Forzinho, num beco transversal à Rua Direita.

Ao desembocar no Ponto de Cem Réis com seus belos pavilhões art déco e um belo relógio ao centro, aguardávamos os bondes para ir até a Praça Dom Adauto, sendo impiedosamente perseguidos pelos cobradores. Ainda no Ponto de Cem Réis podíamos observar à distancia: o Bar Duas Américas, a Padaria de Seu Aranha, o Café Alvear, a loja de long-plays de Walmir dos Santos Lima, a Sorveteria Canadá no Paraíba Palace Hotel, de João Minervino. Na Praça de Táxi, eu procurava os taxistas Elias Teixeira, Zé Papagaio e Dionísio, para saber os rastros de meu pai, do qual eram amigos.

Ao subir a Rua Direita, em direção à Praça João Pessoa, destinava um olhar curioso em direção do Bar Querubim, e que era detentora de uma quadrinha irreverente: “Na Paraába existe coisa de admirar. Subindo é o Bar Querubim. Descendo é Quero Bimbar". Silva Jardim, Rua da Areia e Maciel Pinheiro eram os pontos de aterrissagem. Muito tempo depois entendi a inversão semântica.

Mais adiante, podia se avistar a Escola Underwood, que abrigava Tartaruga, sobrinho da dona do estabelecimento. A escola era chamada, de modo insultante e irreverente, de Cabaré de Osmarina... Havia ainda a livraria de Nólo Pereira: a Casa do Estudante.
Foto Antônio David Diniz
Em seguida — em nossa inesquecível perambulação, a consumir quase tudo que a memória permitiu —, a rua deságua na burocrática Praça João Pessoa.

A Rua Direita assomou as minhas lembranças à conta da enorme influência de Gonzaga Rodrigues, e me fez mergulhar nas minhas infantis e adolescentes andanças. Fui só, queria muito ter tido o prazer de rastrear o Neguinho ao meu lado. A rua sempre abrigou uma fase muito feliz. Ela foi o início da longa e tortuosa estrada que percorri na vida.

Se a memória me acenou para voltar à Rua Direita, devo dizer que o Neguinho Gonzaga, sem o saber, me empurrou e me deu o prazer de lhe dedicar esta crônica desembalada. Gostaria de tê-lo tido ao meu lado, mão no ombro, o querido Gonzaguinha. Fiz o meu itinerário sozinho, recorrendo, aqui e acolá, às luzes de Humberto Mello.

Merci, Gonzaguinha

A Rua Direita — a de ontem, não mais a devastada de hoje — foi o principal berço viário de uma vida jovem semeada de aventuras e brincadeiras, e inicio de muitas amizades e paixões carbonárias.

Ritinha surgiu na sala, de repente. Ao ver Luizinho, espantou-se. E não entrou. Surpreendida, quis fugir mas limitou-se a observá-lo. O c...

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Ritinha surgiu na sala, de repente. Ao ver Luizinho, espantou-se. E não entrou. Surpreendida, quis fugir mas limitou-se a observá-lo. O coração disparou, o de Luizinho também. Ela encostou-se na moldura da porta e deixou-se ficar. Em coisa de instante o vento morno da tarde formou um pequeno redemoinho e varreu tudo em volta. O alpendre ficou cheio de folhas e poeira, as coxas de Ritinha completamente nuas. Em vez de prender o vestido com as mãos, ela ergueu os braços e entrançou os cabelos jogando-os para um lado, sobre o ombro, um meio de esconder os seios firmes que sobravam no decote, talvez tivesse mesmo essa intenção, talvez o fosse para acentuá-los, como ficou mais evidente.

Voltei a traduzir Catulo. Primeiro dos poetas latinos clássicos, Catulo opera uma revolução na literatura da sua época, ainda limitada à é...

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Voltei a traduzir Catulo. Primeiro dos poetas latinos clássicos, Catulo opera uma revolução na literatura da sua época, ainda limitada à épica e à história. Viveu pouco, cerca de 30 anos. Oriundo da cidade de Verona, de família abastada, Gaius Valerius Catullus (87/84-57/54 a.C.), estabeleceu-se em Roma, onde viveu uma vida de cliente, ainda que não tenha passado pelas agruras desse relacionamento com os patronos, como Marcial, o seu discípulo mais dileto, de quem ele dista quase cem anos.

Brainstorming ? Com quem? Uma voz interior: – Você não tem autocrítica? Ri ao me lembrar de um filmezinho, genial, de animação, Geri’s ...

Brainstorming? Com quem?

Uma voz interior:

– Você não tem autocrítica?

Ri ao me lembrar de um filmezinho, genial, de animação, Geri’s Game, do Pixar Studio, no qual um velhote (a cara do Ariano Suassuna), se vê sozinho ante o tabuleiro de xadrez sobre uma mesa com duas cadeiras, e não resiste: movimenta um peão. Aí... vai pro lado oposto, move outro, volta pra primeira posição, revida, etc., etc., num crescendo em que se cria um feroz antagonismo entre os “dois”.