Jorge Elias Neto (1964) nos apresenta novo livro de poemas, este “XXI – Sombras”, obra significativa por nos fazer refletir sobre os tempos brumosos da realidade. Em seu décimo primeiro livro de poemas, número significativo para quem começou a publicar em 2007, com “Verdes Versos”, e acaba de lançar os excelentes “Manual para estilhaçar vidraças” (2021) e “A arte do zero” (2021).
Desde o título, surgem os índices primordiais para conduzir o leitor à leitura do texto poético e do que ele evoca: as primeiras décadas do século XXI, pois os versos foram escritos de 2012 a 2021, século que se inicia com o ataque às torres gêmeas de Nova York, em setembro de 2001, e que agoniza com as crises do tempo atual: a peste de Covid que recentemente assolou a humanidade, a derrocada do sistema capitalista, a destruição ambiental, a violência urbana, o drama dos refugiados, as diferenças sociais cada vez maiores entre os poucos ricos e os milhares de miseráveis que não têm o que comer, onde morar e como manter a sua subsistência.
O Poeta não está isolado em bolha e nem vive indiferente ao mundo e a sua realidade, pois não escreve “longe do turbilhão da rua”, a limar versos parnasianos, em busca de rimas raras e de ritmos incomuns.
Afinal, já nos disse, há algum tempo, um dos poetas fundadores da nossa modernidade, Cassiano Ricardo, em sua Poética: “Que é poesia? Uma ilha cercada de palavras por todos os lados. Que é o poeta? Um homem que trabalha o poema com o suor de seu rosto. Um homem que tem fome como qualquer outro homem”. Um segundo índice para a leitura dos versos de Jorge Elias é o substantivo “Sombras”, palavra cara aos literatos do início do século XX e que nomeou o que a literatura viveu há um século, o “Penumbrismo”.
Esse não foi um estilo, um movimento literário, mas tão somente um tom melancólico surgido após o Simbolismo e o Parnasianismo, anterior à chegada do Modernismo e que caracterizou os primeiros livros de Manuel Bandeira e, sobretudo, os de Ribeiro Couto.
O mundo tinha saído da Primeira Guerra Mundial devastado pela invenção de novas armas de matar, incluindo as armas químicas, e vivia a devastação da Gripe Espanhola. Não foram tempos fáceis de viver, como não está sendo agora e, infelizmente, a história é cíclica. Ribeiro Couto, em carta de 1957, conceitua Penumbrismo como “uma certa atitude reticente, vaga, imprecisa, nevoenta, no jeito de escrever versos”. Seu livro publicado em 1921, “O Jardim das Confidências” foi tido por Ronald de Carvalho, poeta e crítico, como ”uma reação formal contra os clichês do Parnasianismo.
A linguagem nesse livro se identifica com os temas, que são melancólicos, contemplativos, um tanto doentios, brumosos”. Cem anos depois, um poeta contemporâneo com a qualidade de Jorge Elias, pode revisitar o Parnasianismo, como o fez em 2020, com os seus “Sonetos em Crise”, ou o “Penumbrismo”, como o faz agora, com este essencial “XXI – Sombras”.
O “Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis” registra dezenas de significados ao conceito de “sombra”, desde o mais elementar de “Espaço obscuro resultante da interceptação dos raios luminosos por um corpo opaco” ao psicanalítico de Jung, que conceitua sombra como “o arquétipo que consiste nos instintos animais coletivos”.
Creio que os estudantes de pós-graduação em estudos literários terão pano pra manga para decifrar esses conceitos na obra de Jorge Elias. Para colaborar nessa pesquisa, indico-lhes o “Elogio de la sombra”, do imortal J. L. Borges, seu quinto livro de poemas, publicado em 1969. No Prólogo, ele delineia a sua “Poética”, que chama de “astúcias”, o que também pode caber à Poética de Jorge Elias: “preferir palavras habituais a palavras assombrosas”: “o que me assombra é o rodar da terra — eterna ciranda dos corvos — e os carroceis repletos de sonhos”; intercalar em um relato fatos circunstanciais, exigidos agora pelo leitor.
Veja-se o poema sobre Brumadinho, quase uma pausa na dicção do autor: “O mito é o pássaro que sobrevoa a tarde? Não, isso é poesia, e estou falando de morte”; “simular pequenas incertezas, já que a realidade é precisa e a memória não é”: “Caminhava-se perdidamente às cegas, tonto de saber-se tonto, de saber-se”.
No entanto, parece que, após a penumbra, virá o sol para iluminar a vida. Foi o que aconteceu há cem anos, com o advento do Modernismo, em 1922, e a mudança ocorrida no mundo das artes e nos costumes. E é o próprio Jorge Elias, poeta-profeta, que nos prenuncia esse novo tempo: “O poema corre contra o sol nascente para que se espalhe a sombra dos homens sobre as cores da Terra”. Oxalá! Aos que gostam de ler e de escrever poesias, recomendo Jorge Elias, com rima e tudo.