Ontem à noite, o caminhão do lixo passou na rua onde moro. Dessa vez, observei-o com outros olhos. Sem o ronco de outros motores, pude fixar-me no lento percurso do veículo de coleta. Os novos tempos do Coronavírus ensinam que os agentes de limpeza desempenham um serviço essencial, tão ou mais relevante do que o meu, que pode ser realizado remotamente.
De repente, vejo o quanto é importante o trabalho dos nossos colegas. Imagino a crise sanitária e ambiental que causaria uma paralisação das atividades destes profissionais. O mundo inteiro se abarrotando de entulhos, detritos e de resíduos com agentes biológicos nocivos.
Percebo, de igual modo, que a faina dos balconistas de farmácia e de supermercado, dos cuidadores de idosos, é mais importante do que a minha.
O vírus infectou os valores do capitalismo, religião que salva uns poucos e que condena bilhões ao inferno da fome e da degradação. Pouco nos lixamos (o verbo foi proposital) para o trabalho de nossos semelhantes.
Os coletores de resíduos mostram (sem que nós nos sensibilizemos) que o asseio maior a que devemos nos propor é o da alma. A humildade (o húmus) com que eles exercem o ofício evidencia que a sujeira maior está em nosso espírito, cheio de preconceitos e de arrogância (húbris).
Sem me pretender profeta, há algum tempo imaginei que o mundo poderia, a qualquer momento, sofrer a invasão de um vírus, mas um virtual, que contaminasse todo o sistema de informática e paralisasse todas as máquinas do planeta. Não pensei que a infecção fosse letal. E tão real o quanto é o amor, que é a negação da morte. O amor, que não admite impureza, assim como os profissionais que passam por minha janela varrendo a sujeira do mundo.
Paulo Emmanuel é servidor público, graduado em letras e poeta