Eu já havia esquecido dessa conversa quando o passeio aleatório pela Internet me trouxe a visão de uma barbearia com uns sujeitos absolutamente entregues a máquinas, tesouras e navalhas empunhadas com destreza e segurança por moças bonitas. Um freguês tão jovem quanto uma delas parecia haver caído no sétimo sono, a não ser no capítulo “Eyebrows torture”, uma das secções do vídeo relacionada, neste caso, à moldagem torturante de sobrancelhas cujos fios eram arrancados por cordões que se entrelaçavam em nós corrediços.
Título do vídeo, também, em inglês: “Ukrainian ASMR barber – haircut, massage & extra services”. Que ninguém leve a mal: os tais serviços extras não passam da extração de cravos, massagens faciais, no crânio, nos pés e no pescoço. Verifiquei que a postagem tem data recente, mas deduzi que se trata de imagens mais antigas colhidas, seguramente, quando a Ucrânia e a Rússia ainda não trocavam bombas e canhoneios.
Depois, verifiquei que ASMR é sigla em inglês para “Resposta Sensorial Autônoma dos Meridianos”. Não os geográficos, evidentemente, mas os canais de energia citados na acupuntura e práticas outras da medicina oriental.
Uma pergunta: Você gosta de estourar aquelas bolhas contidas nas embalagens de plástico utilizadas na proteção de eletrodomésticos, ou de móveis recém-chegados da loja? Sei de gente que arenga por conta disso. Pede um pedacinho como quem pede um doce. Você se delicia com toques de veludo, travesseiro macio, cafuné e com o espremer de cravos e espinhas mesmo à distância, nos outros? ASMR é fogo, meus caros. Ocorre até nos padecimentos.
Minhas pesquisas levaram-me a barbearias chinesas, indianas, turcas e vietnamitas. Em alguns casos, com a freguesia entregue a marmanjos com quase dois metros de altura e 120 quilos. Uns portões.
Nunca deseje um barbeiro desses, sobretudo se estabelecido na Turquia. Mas tenho que pedir perdão pelo conselho, pois noto que muita gente gosta deles e de suas toalhas quentíssimas. São vídeos com milhões de visualizações e a opção de legendas em idiomas sucessivos.
Vá a um desses barbeiros e você pode começar a ter fogo nas orelhas. Isso mesmo, os caras acendem uma mecha com álcool na ponta de um arame e com ela dão batidas seguidas no entorno e no interior do pavilhão auricular de modo a queimar os pelos que ali nascem, muitas vezes, em profusão.
Não sei se você estará de melhor modo servido se as batidas de fogo forem substituídas por cera quente e pastosa nos ouvidos e nos dois buracos do nariz, desta feita com o acréscimo de palitos (semelhantes aos de picolé) à guisa de cabos para puxões rápidos como bote de sucuri, quando aquela coisa endurece. As expressões de dor me fazem crer em que a troca terá sido a de seis por meia dúzia.
Se ele pedir para você tirar a camisa, comece a suplicar pela proteção divina. Isso, porque, a partir daí, a coluna torta é ajeitada com murros nos pontos habituados à má postura e, portanto, mais doloridos.
Ainda na cadeira, o cidadão é solicitado a amolecer o pescoço para giros vagarosos e cuidadosos da cabeça por sua excelência, o barbeiro. E, de repente, lá vem o tranco: giro de 90 graus à velocidade da luz para um estalo e um grito. O movimento foi à esquerda? Então, prepare o espírito para o solavanco idêntico mas, agora, em sentido contrário.
Vi quando um desses barbeiros mandou o cliente se levantar para puxões nos braços, nos dedos e na espinha dorsal, tudo com caretas e estalos. Dão àquilo o nome de ajuste quiroprático. Dizem que o objetivo é o da restauração da mobilidade, a correção de desalinhamentos e o alívio da pressão sobre os nervos.
Tudo isso num mesmo salão com seus espelhos, cadeiras, ferramentas, espumas, cremes, ceras e fogo. Também percebi semblantes risonhos e satisfeitos depois do pagamento da conta salgada (acho eu) antes de buscarem a porta da saída. Repito: ASMR é fogo, minhas amigas e meus amigos. Pode levá-los a pagar para sofrer.