“Já cortou cabelo com mulher?”, perguntou-me o amigo de quem não revelo o nome em respeito a seu estado de espírito. O segundo casa...

Os prazeres da dor

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“Já cortou cabelo com mulher?”, perguntou-me o amigo de quem não revelo o nome em respeito a seu estado de espírito. O segundo casamento lhe vai de mal a pior. Com cuidado, medindo as palavras, respondi “poucas vezes”. É que pressinto sua carência de toques femininos, mesmo os de forma honesta, decente, corretamente profissional.

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De pronto expliquei que, para mim, barbeiro é como jornal: sempre há o preferido. Eu me referia, é claro, aos jornais de papel e tinta, àqueles da fase de ouro de uma mídia impressa, mas em estado comatoso, hoje em dia. “Você precisa experimentar. É ASMR puro”, insistiu ele. “O que diabo é ASMR?”, perguntei a botões tão estúpidos quanto o dono.

Eu já havia esquecido dessa conversa quando o passeio aleatório pela Internet me trouxe a visão de uma barbearia com uns sujeitos absolutamente entregues a máquinas, tesouras e navalhas empunhadas com destreza e segurança por moças bonitas. Um freguês tão jovem quanto uma delas parecia haver caído no sétimo sono, a não ser no capítulo “Eyebrows torture”, uma das secções do vídeo relacionada, neste caso, à moldagem torturante de sobrancelhas cujos fios eram arrancados por cordões que se entrelaçavam em nós corrediços.


Título do vídeo, também, em inglês: “Ukrainian ASMR barber – haircut, massage & extra services”. Que ninguém leve a mal: os tais serviços extras não passam da extração de cravos, massagens faciais, no crânio, nos pés e no pescoço. Verifiquei que a postagem tem data recente, mas deduzi que se trata de imagens mais antigas colhidas, seguramente, quando a Ucrânia e a Rússia ainda não trocavam bombas e canhoneios.

Depois, verifiquei que ASMR é sigla em inglês para “Resposta Sensorial Autônoma dos Meridianos”. Não os geográficos, evidentemente, mas os canais de energia citados na acupuntura e práticas outras da medicina oriental.
É coisa que está a 3x4 na Internet e se popularizou via YouTube. É fenômeno advindo da sensação de relaxamento e prazer decorrente de coisas e situações diversas, inesperadas, ou não. Vai, portanto, muito além de meninas com mãos de fada no comando das barbearias.

Uma pergunta: Você gosta de estourar aquelas bolhas contidas nas embalagens de plástico utilizadas na proteção de eletrodomésticos, ou de móveis recém-chegados da loja? Sei de gente que arenga por conta disso. Pede um pedacinho como quem pede um doce. Você se delicia com toques de veludo, travesseiro macio, cafuné e com o espremer de cravos e espinhas mesmo à distância, nos outros? ASMR é fogo, meus caros. Ocorre até nos padecimentos.

Minhas pesquisas levaram-me a barbearias chinesas, indianas, turcas e vietnamitas. Em alguns casos, com a freguesia entregue a marmanjos com quase dois metros de altura e 120 quilos. Uns portões.


Nunca deseje um barbeiro desses, sobretudo se estabelecido na Turquia. Mas tenho que pedir perdão pelo conselho, pois noto que muita gente gosta deles e de suas toalhas quentíssimas. São vídeos com milhões de visualizações e a opção de legendas em idiomas sucessivos.

Vá a um desses barbeiros e você pode começar a ter fogo nas orelhas. Isso mesmo, os caras acendem uma mecha com álcool na ponta de um arame e com ela dão batidas seguidas no entorno e no interior do pavilhão auricular de modo a queimar os pelos que ali nascem, muitas vezes, em profusão.


Não sei se você estará de melhor modo servido se as batidas de fogo forem substituídas por cera quente e pastosa nos ouvidos e nos dois buracos do nariz, desta feita com o acréscimo de palitos (semelhantes aos de picolé) à guisa de cabos para puxões rápidos como bote de sucuri, quando aquela coisa endurece. As expressões de dor me fazem crer em que a troca terá sido a de seis por meia dúzia.

E lá vem mais cera quente para a limpeza da pele e remoção de cravos. Quando aquilo sai, leva tudo, se brincar, até a pele. E tome massagem no casco, daquelas capazes de escalpelar o cristão. O não cristão, também, é claro.

Se ele pedir para você tirar a camisa, comece a suplicar pela proteção divina. Isso, porque, a partir daí, a coluna torta é ajeitada com murros nos pontos habituados à má postura e, portanto, mais doloridos.

Ainda na cadeira, o cidadão é solicitado a amolecer o pescoço para giros vagarosos e cuidadosos da cabeça por sua excelência, o barbeiro. E, de repente, lá vem o tranco: giro de 90 graus à velocidade da luz para um estalo e um grito. O movimento foi à esquerda? Então, prepare o espírito para o solavanco idêntico mas, agora, em sentido contrário.

Vi quando um desses barbeiros mandou o cliente se levantar para puxões nos braços, nos dedos e na espinha dorsal, tudo com caretas e estalos. Dão àquilo o nome de ajuste quiroprático. Dizem que o objetivo é o da restauração da mobilidade, a correção de desalinhamentos e o alívio da pressão sobre os nervos.


Tudo isso num mesmo salão com seus espelhos, cadeiras, ferramentas, espumas, cremes, ceras e fogo. Também percebi semblantes risonhos e satisfeitos depois do pagamento da conta salgada (acho eu) antes de buscarem a porta da saída. Repito: ASMR é fogo, minhas amigas e meus amigos. Pode levá-los a pagar para sofrer.

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  1. Obrigado pelo texto e pelas informações, Frutuoso. Essas siglas são muito perigosas. Continuarei fiel ao meu velho barbeiro da Galeria Augusto dos Anjos, que só faz o básico - e bem! Parabéns. Francisco Gil Messias.

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