Ouve-se falar mais em bloqueio de escritor, aqueles períodos de total esterilidade criativa que vez em quando atormentam os profissionais da escrita. Para os autores, um verdadeiro inferno, pois sempre desconfiam de que nunca mais voltarão a escrever. Geralmente, passa, mas às vezes, não. E aí não há o que fazer. Não há mais o que se dizer ou não se sabe mais como fazê-lo.
Se o primeiro livro do autor é um grande sucesso de crítica e de público, não é fácil escrever o segundo. Inevitavelmente surge a velha dúvida: será que conseguirei produzir algo do mesmo nível? Instala-se então o bloqueio, em geral agravado pela pressão do editor que quer mais um livro - e até já pagou por ele. Haja estresse para o coitado do escritor.
Em outros casos, a imaginação do autor simplesmente se exauriu, ele (ou ela) não consegue mais inventar nada no âmbito da ficção. Resta-lhe talvez a possibilidade de partir para a não ficção, o que não é fácil, pois esta exige requisitos que vão muito além da imaginação. A produção de ensaios, por exemplo, supõe um bom embasamento intelectual; já as biografias, não podem ser feitas sem muita pesquisa. Tem muito contista e muito romancista que não consegue dar esse salto.
Já o bloqueio de leitor é menos falado, mas também existe, como bem sabem os consumidores contumazes de literatura. O fenômeno não repercute porque se trata de experiência restrita ao leitor, sem consequências que ultrapassem sua esfera pessoal. Ou seja, o bloqueio de leitor não afeta ninguém, salvo o infeliz bloqueado. Diferente do que ocorre com os escritores, que têm uma carreira e contratos a cumprir.
Acontece comigo, por exemplo, quando termino a leitura de um livro do qual muito gostei. Não precisa ser um calhamaço, pode ser um volume fininho, mas tem que me causar alguma impressão, de tal modo que, ao seu término, reste em mim uma espécie de vazio que, temporariamente, outro livro não consiga preencher. Eis aí, portanto, configurado o bloqueio. Durante um certo tempo, mais ou menos longo, fico sem me interessar por nenhuma leitura, incomodado por essa abstinência compulsória. O escritor e diplomata Ary Quintella assim descreve seu sofrimento de leitor bloqueado: “Olho para as minhas estantes, suspiro e penso comigo mesmo: ‘Não tenho interesse por nenhum desses livros. Nenhum deles é o livro que quero ler’. O bloqueio de leitor é algo insuportável. Falta algo na vida, e não sei como preencher o vazio” (Geografia do Tempo, Andrea Jakobson Estúdio Editorial Ltda., Rio de Janeiro, 2025). Descrição perfeita.
Quando o bloqueio acontece, não há o que fazer, a não ser esperar. Esperar indefinidamente que ele passe e a vontade de ler algo retorne, como a fome depois do fastio. A volta do apetite pode se dar com livro novo ou com livro já lido, depende de cada caso. E para isso não tem explicação, já que a cada vez o retorno aos livros se manifesta de um jeito único, irrepetível. Assim como, após uma longa abstinência, a vontade de comer se dirige umas vezes a um suculento assado e outras a uma simples fruta.
A procura por um livro que rompa o bloqueio varia. Correr os olhos pelas estantes de casa sempre ajuda. De repente, o olhar pode se deter num título antigo, já lido até mais de uma vez. O desejo de revisitá-lo pode surgir. Você lê a primeira página e aí sente se acertou ou não. É o livro que decide e não você, acredite. Se você vai às livrarias, físicas ou virtuais, a busca é a mesma. Pode-se encontrar um lançamento do nosso agrado - ou não. É uma loteria. Nessas horas, uma simples obra de entretenimento pode resolver mais facilmente o bloqueio que uma de literatura sofisticada. As memórias, as biografias e as entrevistas costumam ser de mais fácil digestão. E, claro, as crônicas, leves petiscos que nunca perdem o sabor. Uma coisa é certa: é raro um bloqueio de leitor ser vencido por uma obra muito densa ou muito volumosa. A inapetência requer, quase sempre, pequenas e leves degustações. Depois pode vir a disposição para iguarias mais pesadas.
Para um leitor que também escreve, o processo é menos doloroso, pois a escrita, de certo modo, substitui a leitura. O ato de escrever quase sempre ressuscita leituras, antigas e recentes. E assim o leitor se distrai – e se ocupa, sem ter um livro nas mãos.
Diferentemente do que pode acontecer com o bloqueio de escritor, o de leitor nunca é para sempre. Mais cedo ou mais tarde, ele tem fim. E o encanto com o livro, qualquer que seja, recomeça, como uma seiva vital que renova no leitor o gosto pela vida, a delícia de viver.