A sala de aula era em Campina Grande, a frente mais avançada para um menino de sítio em seu contato inicial com o mundo. Seu primeiro grande contato com a vida surpreendente da grande cidade. Cidade que não chegava a 100 mil habitantes, mas eixo do mundo ou da terra na avaliação de quem saía de entre serras, como está no meu livro “Um sítio que anda comigo”. Eixo da terra nada imaginário da geografia FTD adotada em todo o Brasil de 1945 e do qual Campina se apropriava para atrair o mundo a redor de si.
O número 1 da classe começava por nomes do exterior: Albert Nouri, seguido de Antônio Saad Rached, o médio oriente entre os Motta, os da Silva e um Rodrigues, neto da velha Maria Pastora das encostas úmidas da Borborema.
Do A até o W de Wallace os nomes da chamada continuam a soar, hoje quase todos mortos, mas as vozes a repercutir como fundo musical a reforçar um clarão de sol que entrava radiante pelas janelas do nosso Pio XI.
— Luiz Motta
— Presente.
Este já arranhava na garganta o timbre forte e claro do homem que viria ser. Seu nome, pela ordem alfabética, seguia-se ao meu. As carteiras em que nos sentávamos ficavam em extremos, a dele ao sol da janela, lado do nascente, a minha no lado oposto, olhando-nos quando o professor anunciava a sua nota de matemática e a minha de português.
O ano era de 1945. Em qualquer lugar que estivéssemos nos sentíamos mundiais. O conflito do século anulava fronteiras, atravessava oceanos, vindo aterrissar nas nossas vizinhanças de Natal. E o rádio o insuflava bombardeando as imaginações. Até que o padre Odilon Pedrosa, diretor do colégio, entrasse em nossa classe para gritar o fim da guerra, o mundo na alegria de uma só pátria. Isto no fim da tarde de 7 de maio, há quase oitenta anos. Dia seguinte, consagrado à vitória, saímos em desfile a emendar a Floriano Peixoto com todas as avenidas da terra.
Procedemos desse tempo, nascida uma camaradagem, uma afinidade que nunca mudou de idade. Eu, Evaldo Gonçalves, José Wiliam, Juarez Farias, Raimundo Adolfo, Luiz Motta, Fernando Cunha Lima, Nereu Pereira, 32 ou 33 que a vida saiu dispersando pela busca e guarda do seu lugar desligando-nos de uma propulsão que um cioso da palavra como nosso Hildeberto chamaria de seminal.
Muitos nós perdemos de vista, talvez os mais felizes por continuarem sempre naquele instantâneo mais duradouro que os paredões do colégio, instante e circunstância vivíssimos enquanto restar um só de nós.
Depois os vi ou acompanhei em seus momentos mais altos. Evaldo na representação da Paraíba na Câmara, no Congresso; Juarez ao lado de Celso Furtado na Sudene; Fernando Cunha Lima de sócio com Juscelino Kubitschek e Roberto Campos; Luiz Motta nomeado prefeito de Campina Grande. Nomeado pelo regime de 1964, o regime que me exonerou, mas um nome em quem eu votaria se me fosse facultada a urna democrática.
Recolhidos em casa, quanto a mim o telefone pouco tem ajudado. E prometemos nos encontrar, sem definir quando nem onde. Vem esse fim de semana e dou com a notícia do desencontro final. Na sala de aula do início de nossas vidas a ordem de chamada não era essa.