Sofro de memória curta para certas coisas. Inclusive, para livros inteiros, muitos deles desbravados na hora, de forma ardente, e, mais...

De memória curta

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Sofro de memória curta para certas coisas. Inclusive, para livros inteiros, muitos deles desbravados na hora, de forma ardente, e, mais à frente, esquecidos, ainda que me deixem algum rescaldo de nebulosa procedência. Quantas achegas às lições da vida são colhidas remota ou presentemente de alguma leitura!

Falo nisto com uma velha crônica de Martinho Moreira Franco fazendo menção ao meu pegadio com livros. Dependência que não está longe do modo
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como vivi a primeira infância, filho único numa casa de sítio, à distância de outras casas com crianças, medroso de lobisomens, de cachorro doente, do bote do guaxinim, de cobra coral que era a que mais deslizava sutilmente por entre as ervas rasteiras dos cantos de parede. Medo do doido Olegário, que amanhecia rodeando os altos com seu grito rouco de fonemas que não chegavam a palavra nenhuma! “Teboleiro, castipeiro” ainda ouço hoje no mesmo tom de voz que o vento trazia.

Resumia-me numa convivência de silêncios apenas cortada pelas falas da cozinha, o zunido das abelhas em seu trânsito das flores para os cortiços do alpendre aberto aos raios amornados da manhã.

Luiz! Era de vez em quando o chamado lá de dentro a saber onde eu estava, o que estava fazendo. Já lendo sozinho, é nos poucos livros de casa que começo a achar companhias. O próprio livro adotado me atrelava a um casal de crianças que rumava de trem das terras do cacau para as do café com leite, deixando-me atrapalhado em Pindamonhangaba. Aí demorei soletrando, perdendo os dois de vista.

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E fiquei nessa dependência, remoendo o despreparo físico para o esporte, o vôlei do tempo de ginásio, o futebol a mim reduzido ao time de botão, uma seleção em que entravam desde craques do Treze aos do Vasco.

Como podia ver o meu compadre daqui de Jaguaribe, não me peguei com o livro por opção, mas como alternativa para não ficar falando sozinho. Some-se a isso o internato, no antigo Pio XI do padre Odilon Pedrosa, com mais horas no salão de leitura, na sala de aula, na missa, no terço, do que nos intervalos das refeições e do recreio.

É uma dependência, para não dizer vício, mas com uma vantagem: os livros não mudam. Serenos ou arrebatados, venham de Machado ou de Zé Lins, de Carlos Romero ou de Hildeberto, serão sempre os mesmos e sempre mais acrescidos quando voltamos a eles.

Mas a memória não me ajuda muito, salvo em leituras que me ferraram a sensibilidade ou se juntaram vívidos à minha experiência, ao meu espírito, à consciência social.

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Por mais que estudasse a meu modo o fazer literário ou me detivesse no emprego da palavra esculpida como as da poesia de Augusto ou expressões extraordinariamente precisas a dispensar sinônimos como as de Graciliano, obcecado por esses ganhos, muita coisa se despregou da memória.

Agora mesmo, coisa de uma semana atrás, dei com uma antologia do conto norte-americano lida há vinte ou trinta anos. Passei as folhas tendo como bem lembrado e vivo apenas um conto do velho Steinbeck, O pônei alazão. Dos demais, inclusive Poe, Henry James ou o mais jovem deles, Saroyan, todos com expressões ou frases inteiras frisadas na primeira leitura ressurgiam inteiramente apagados de minha memória. Contos como o que reli agora de Henry James, tradução de Vinicius de Morais. Li aqui e ali fugindo à narração, me vendo a escrevê-lo: como se tornou difícil, im-possí-vel!

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