Sofro de memória curta para certas coisas. Inclusive, para livros inteiros, muitos deles desbravados na hora, de forma ardente, e, mais à frente, esquecidos, ainda que me deixem algum rescaldo de nebulosa procedência. Quantas achegas às lições da vida são colhidas remota ou presentemente de alguma leitura!
Falo nisto com uma velha crônica de Martinho Moreira Franco fazendo menção ao meu pegadio com livros. Dependência que não está longe do modo
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Resumia-me numa convivência de silêncios apenas cortada pelas falas da cozinha, o zunido das abelhas em seu trânsito das flores para os cortiços do alpendre aberto aos raios amornados da manhã.
Luiz! Era de vez em quando o chamado lá de dentro a saber onde eu estava, o que estava fazendo. Já lendo sozinho, é nos poucos livros de casa que começo a achar companhias. O próprio livro adotado me atrelava a um casal de crianças que rumava de trem das terras do cacau para as do café com leite, deixando-me atrapalhado em Pindamonhangaba. Aí demorei soletrando, perdendo os dois de vista.
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Como podia ver o meu compadre daqui de Jaguaribe, não me peguei com o livro por opção, mas como alternativa para não ficar falando sozinho. Some-se a isso o internato, no antigo Pio XI do padre Odilon Pedrosa, com mais horas no salão de leitura, na sala de aula, na missa, no terço, do que nos intervalos das refeições e do recreio.
É uma dependência, para não dizer vício, mas com uma vantagem: os livros não mudam. Serenos ou arrebatados, venham de Machado ou de Zé Lins, de Carlos Romero ou de Hildeberto, serão sempre os mesmos e sempre mais acrescidos quando voltamos a eles.
Mas a memória não me ajuda muito, salvo em leituras que me ferraram a sensibilidade ou se juntaram vívidos à minha experiência, ao meu espírito, à consciência social.
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Agora mesmo, coisa de uma semana atrás, dei com uma antologia do conto norte-americano lida há vinte ou trinta anos. Passei as folhas tendo como bem lembrado e vivo apenas um conto do velho Steinbeck, O pônei alazão. Dos demais, inclusive Poe, Henry James ou o mais jovem deles, Saroyan, todos com expressões ou frases inteiras frisadas na primeira leitura ressurgiam inteiramente apagados de minha memória. Contos como o que reli agora de Henry James, tradução de Vinicius de Morais. Li aqui e ali fugindo à narração, me vendo a escrevê-lo: como se tornou difícil, im-possí-vel!