POEMAS DO LIVRO “XXI Sombras
(Editora COUSA – 2023)
(Editora COUSA – 2023)
O poema corre contra o sol nascente
para que se espalhe a sombra dos homens
sobre as cores da Terra.
PORQUE CARECEMOS DA ILUSÃO
Precisamos de um novo herói, de um mago, de um mestre dos tempos, que nos corrompa e seja obsceno, que nos derrame o sangue de seu afeto e nos apresente os desígnios das nuvens. (Um bom naco de loucura deixado em nossas bocas; um tanto de ocaso em nossos olhos, mirando o balão negro da saudade.) Precisamos de um novo herói, um mago de cabeça chata, sertaneja, que emancipe os suicidas nos beirais das pontes, que distribua balas em dias de chuva e cure a paralisia dos que não sonham. Precisamos de um novo herói, que o acaso é um outro tempo e a humanidade é de outro homem.
Precisamos de um novo herói, de um mago, de um mestre dos tempos, que nos corrompa e seja obsceno, que nos derrame o sangue de seu afeto e nos apresente os desígnios das nuvens. (Um bom naco de loucura deixado em nossas bocas; um tanto de ocaso em nossos olhos, mirando o balão negro da saudade.) Precisamos de um novo herói, um mago de cabeça chata, sertaneja, que emancipe os suicidas nos beirais das pontes, que distribua balas em dias de chuva e cure a paralisia dos que não sonham. Precisamos de um novo herói, que o acaso é um outro tempo e a humanidade é de outro homem.
A VERDADE DA HISTÓRIA
“Quanto vale a história no mercado da poesia?”
João Luís Barreto Guimarães
Eu sou o passado — leitoso — a derramar-se.
Não a farsa dos intérpretes, estudiosos do agreste,
que dizem ser um enigma o sangue do crepúsculo.
Eu sou uma mão espalmada, cobrindo tudo:
as mínimas expectativas e as pegadas dos sem juízo;
raiz que faz brotar a memória sem pudor.
Eu sou o rompante, o atropelo do que aguarda
e o tropeço do que dispara.
Eu sou rede de arrasto, sou bateia,
sou a peneira de malhas finas
a colher os peixes para lançá-los no
desconforto da irrespirável realidade.
Eu sou a tragédia desperdiçada.
Eu sou o medo que espreita, a seiva do desassossego.
Eu sou a caridade soterrada na
imundície dos aterros sanitários,
o cemitério das almas virgens.
Eu sou a testemunha do apocalipse,
do flagelo dos excomungados,
do cio das bruxas e suas vassouras
a crepitar nas praças.
Eu sou a calma da paisagem deserta, a precisão da gravidade
atraindo os corpos inertes à fuligem do esquecimento.
Eu sou o tormento da palmeira do
príncipe no jardim das armas.
Eu sou a dissolução do consenso,
a filigrana que povoa as guerras, a trapaça.
Eu sou o manto da corrupção lançado sobre a verdade,
a dissimulação ao sugerir enganos.
Eu sou a pedra sobre a pedra sobre a pedra
sobre a pedra sobre as presas do Mamute.
Eu sou a paz das naus submersas, a
boçalidade das ideologias,
símbolos da miséria e da peste.
Eu sou o elo cravado na carne,
a marca da besta nos braços dos inocentes.
Eu sou o sem paradeiro das andanças e da ambição.
Eu sou a justa trégua em nome da arte.
Eu sou o olhar dos santos.
Eu sou cálculo, aritmética e o alvo.
Eu sou o ressalto antes da queda, a
pausa antes do erro, o atropelo.
Eu sou o tempo: duração do perecível
papiro nos anais do Universo.
Sou pronome pessoal, sou cria do homem
e chegarei viva ao amanhecer
do último dia.BRUMADINHO
Eu não saberia dizer, estou atordoado, pisar o sem fundo das casas, entrar pelos telhados na vida das pessoas, saber os muitos tons da verdade, que a terra engole a fala dos homens e os aniquila com esse funil de lama tragando o ar e a voz de Minas. O mito é o pássaro que sobrevoa a tarde? Não, isso é poesia, e estou falando da morte.
Eu não saberia dizer, estou atordoado, pisar o sem fundo das casas, entrar pelos telhados na vida das pessoas, saber os muitos tons da verdade, que a terra engole a fala dos homens e os aniquila com esse funil de lama tragando o ar e a voz de Minas. O mito é o pássaro que sobrevoa a tarde? Não, isso é poesia, e estou falando da morte.
OLHAR PROFUNDO
Pois se já não brilham os olhos, brilham os cristais de poeira. Desenterre os ossos — e seus medos sem face — deixados em outro tempo. E sobre a areia despeje o brinquedo de armar, essa cama da carne da marionete adormecida.
Pois se já não brilham os olhos, brilham os cristais de poeira. Desenterre os ossos — e seus medos sem face — deixados em outro tempo. E sobre a areia despeje o brinquedo de armar, essa cama da carne da marionete adormecida.
QUANDO ESTENDI SEU
CORPO NA AREIA
Não sei mais de nada. O infortúnio é próprio da falta de sentido. (Ou será a fortuna de ter te conhecido sob o efeito do álcool?) A razão são as estrias que acumulamos na pele, e descamam a cada verão escaldante. Quando estendi seu corpo na areia, à semelhança dos fósseis, um outro tempo dizia qual o nome e o motivo de nosso encontro, e o quanto de surpresa preencheria o vazio de nossa existência.
Não sei mais de nada. O infortúnio é próprio da falta de sentido. (Ou será a fortuna de ter te conhecido sob o efeito do álcool?) A razão são as estrias que acumulamos na pele, e descamam a cada verão escaldante. Quando estendi seu corpo na areia, à semelhança dos fósseis, um outro tempo dizia qual o nome e o motivo de nosso encontro, e o quanto de surpresa preencheria o vazio de nossa existência.
SILÊNCIO ÁCIDO
Falo agora do seu silêncio, dizendo: se afasta de minha boca Eu queria me recordar, mas o vazio tem a força que aspira os sonhos, e a memória é um tempo perdido no não encontrar o seu abraço (O cinza não suporta o negro das noites e seus redemoinhos) Não aceito esta morte, perder o amor arrebatado do paraíso do seu nome, e a balança que rege as mãos, e o sentido dos gestos, a mentira de rosto limpo nas manhãs de paz Não quero ser obrigado a parar a noite, uma parte constrita de minha existência pertence ao desespero de sua sombra Eu me curo no tardar de sua partida.
Falo agora do seu silêncio, dizendo: se afasta de minha boca Eu queria me recordar, mas o vazio tem a força que aspira os sonhos, e a memória é um tempo perdido no não encontrar o seu abraço (O cinza não suporta o negro das noites e seus redemoinhos) Não aceito esta morte, perder o amor arrebatado do paraíso do seu nome, e a balança que rege as mãos, e o sentido dos gestos, a mentira de rosto limpo nas manhãs de paz Não quero ser obrigado a parar a noite, uma parte constrita de minha existência pertence ao desespero de sua sombra Eu me curo no tardar de sua partida.