O alto da praça se torna prata esverdeado com a dança veloz do vento e a passagem dos pingos por entre as copas das árvores. A chuva invade o ar e canta pelas calhas, galhas e vidraças e divide o espaço sonoro com a música. Entra em cartaz muitos acordes e sonhos dormidos, campos e composições de trens e discos.
E a boca sente o gosto de cada viagem, o ouvido saboreia as notas, os olhos fotografam os sinos e cenários já vistos em natureza morta e em estado vivo. O ser traduz tudo na enxurrada levada pelos pés que pisam mil chãos, arrastam na bagagem as sensações. A vida molha todas as superfícies.
Siga apenas pela estrada que se abre e encontre no meio da noite o ronco do sono profundo do cão companheiro em repouso e o decolar do avião que leva passageiros cheios de bagagens duradouras. E mais um saboroso conhecer de um tasco de terra, de um naco de gente. Seja onde for, a mente precisa caminhar, o corpo exige voar.
Apenas diga de passagem para marcar o nome presente na chamada, pois mais uma aula vai começar. A lição jamais será decorada com precisão e a cola se solta da mente e não chega à ponta da língua para falar de partidas, chegadas, ocupações e faltas.
É como o alimento que nutre cada sopro da vida e garante um novo respiro: necessita ser mastigado. Não adianta apenas a teoria, a vida requer domar o dom da telepatia e o viajar sem máquina para se poder sempre chegar a algum lugar.
Outras vezes, há a precisão do artífice para se caminhar e construir asas para voar. O coração pedirá molas para pular riscos e permanecer na batida certa. A máquina pede também paciência e ajustes de rota e roteiros para se aproveitar da chuvarada de janeiro.
O longo ano encurta-se pelo outono das folhinhas do calendário. Sim, mais uma vez, mexa-se pela invenção do tempo antes que seja tarde. Passo a passo, veja o traço na luz que baila no ar e o molhar a pele viva, a pedra morta, a folha seca e o tronco rijo.
A noite já mergulha por entre tudo, muros, prédios, arbustos e almas. Mas as nuvens clareiam o ambiente e águam o que tocam por milhões de partículas em queda deliberada. Água e luz em dança noturna.
Do alto, piscam luzes de arte faciais e artificiais satélites. Céu é teto ultrapassável para os seres de asas e sonhos e também para a água que avoa em mil formatos tempestuosos. Boca é transponível para o melhor encontro de outra com palavras, sorrisos, cumplicidades e beijos.
De retorno à praça, a chuva diz que volta. Sente num banco de concreto para encarar a vida com toda a sua dureza e maciez sem poeticices e as suas notas. Mergulhe na chuva que ilumina a noite.