Ele pensou em dar à família um Natal diferente. Estava cansado de ver todo ano a mesma coisa: a parentada em volta da árvore, comend...

Sinal dos tempos

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Ele pensou em dar à família um Natal diferente. Estava cansado de ver todo ano a mesma coisa: a parentada em volta da árvore, comendo e bebendo, depois a entrega dos presentes, e por fim a ceia. Sentia que, a despeito de a festa existir para renovar os espíritos, era preciso mudar um pouco o ritual.

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Mas como fazer para inovar num acontecimento que se alimentava da tradição? A mulher havia anos armava a mesma árvore. Estava (a árvore, não a mulher) tão velhinha, que toda a iluminação já fora trocada. Ele sentia um confortável prazer em ver a esposa retirar do armário os objetos conhecidos e recolocá-los quase no mesmo lugar. Um ano era muito tempo, o que sempre o fazia se surpreender com detalhes que não observara em anos anteriores. A roupa do anjo Gabriel, por exemplo. Ou a barba de um dos reis magos.

Então lhe ocorreu a ideia: contratar um Papai Noel para vir, em pessoa, entregar os presentes. A família era pequena; dava para acomodar num saco os mimos que compraria para a esposa, os três filhos, os sogros e as duas cunhadas.

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Ficou imaginando o efeito: meia-noite, ele reunido com a família na sala, e todos estranhando nesse ano não haver presentes. A sogra desapontada, pois esperava um novo modelo de toalha de mesa. O sogro, chateado, porque precisava de cuecas e deixara de comprá-las justamente porque o Natal estava chegando. De repente, alguém bateria na porta. A filha mais nova iria ver quem era e voltaria gritando, afogueada:


Bolado o plano, tratou de o pôr em prática. Não foi difícil contratar alguém. Nessa época muitos indivíduos com o chamado “físico do papel” dão seus nomes a agências de emprego,
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que são procuradas sobretudo pelos shoppings. Ele foi a uma delas. Depois de ver fotos e fazer uma entrevista com o escolhido, contratou o serviço.

Comprou os presentes e, na véspera do grande dia, deixou-os com o homem. Era um senhor grisalho, bonachão, conforme convinha à personagem. Até ria parecido com o ícone natalino, sem precisar forçar muito o “Rô Rô”. Chamava-se Leopoldo e tinha um Fiat velho, mas em bom estado, no qual levaria os pacotes.

Enfim, noite de Natal. Para diminuir a perplexidade dos parentes, que não compreendiam a ausência dos presentes em volta da árvore, ele disse que mais tarde haveria uma surpresa. Gerou-se uma tensa mas alegre expectativa, que só foi quebrada quando um carro parou quase em frente à casa.

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Após uns dois minutos, ouviram-se gritos de “Pega! Pega ladrão!”. Ele correu até a calçada e viu Leopoldo, desesperado, apontando para dois rapazes que dobravam a esquina levando o saco no qual estavam os presentes; balançava a cabeça e repetia, como que se desculpando:

⏤ Vieram de surpresa! Não pude fazer nada...

Tratou de tranquilizar o pobre homem e o conduziu ao interior da casa.

⏤ Este é Leopoldo – apresentou, explicando em seguida o que planejara.

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Houve algum desapontamento, mas todos acabaram compreendendo. Nesse ano não teriam presentes, mas ali estava Papai Noel! Se o despojaram da carga preciosa, qual o remédio? Ninguém hoje tem segurança ao andar nas ruas, ainda mais à noite... O importante era não perder o espírito natalino.

E com isso em mente riram, deram um abraço no Bom Velhinho e o convidaram para a ceia.

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  1. Eis um verdadeiro conto de Natal, Chico. Bem brasileiro, aliás, pela presença dos assaltantes. Mas suficientemente cristão pela gentil acolhida do desamparado Leopoldo. Parabéns e um feliz Natal para você e os seus queridos. Francisco Gil Messias.

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