Lembro-me de uma cena que presenciei, há alguns anos, num restaurante da praia que eu costumava frequentar. Nele quase sempre havia pouca gente, de modo que era possível se sentar, pedir uma cerveja e passar minutos ou horas matutando. Enquanto as garrafas vazias se multiplicavam, abrandando o peso das noites de sábado, a gente pensava na vida – às vezes, também, na morte – e curtia uma rala, iluminada, melancolia.
Todo rapaz, entre os quinze e os vinte anos, tem a sua pose de romântico da Segunda Geração. Eu estava nessa, curtindo o tédio e bebendo por uma espécie de compulsão litúrgica – que fazer no sábado à noite, a não ser isso? Foi quando vi entrar o casal. Ou não apenas um casal, pois havia com eles – ou entre eles – um menino. Difícil era saber por que vieram parar ali. O homem tinha um rosto dostoievskiano – seco e duro. A mulher estava pálida e, pelo vermelho dos olhos, via-se que tinha chorado. Em sua inocência distraída, o menino só se parecia mesmo com um menino. De olho nas garrafas das mesas (certamente pensando nas tampinhas), vez por outra mirava um tanto perplexo os dois.
Sentam-se, encomendam qualquer coisa e, antes mesmo que o garçom traga o pedido, começam o falatório – com pressa, e no seco. O homem fala alto mesmo para um bar, não se importa com as pessoas em volta. A mulher argumenta, contesta, defende-se. Como sou vizinho, chegam à minha mesa fagulhas da discussão. E o curioso é que vou começando a ficar sóbrio. A intrusão súbita da vida real desfaz o meu incipiente torpor alcoólico.
Em dado momento, o sujeito aponta para o menino e diz: “Se não fosse por ele...”. Não completa a frase, mas é fácil de entender. A mulher rebate com raiva, exalta-se e provoca: “Se ele é o problema...” – não ouço o término da frase. Um casal em crise e entre eles um menino. O homem agora acusa os pais dela de não sei o quê, a mulher se defende dizendo que era ele o ingrato: “Você sempre teve má vontade. E não pode dizer tantinho assim de meus pais, que têm nos ajudado inclusive financeiramente.”
Ao ouvir isso, o raskolnikov dá um soco na mesa e faz menção de se levantar. Mas não se levanta, engole a possível ofensa com um copo de água mineral; o garçom tinha vindo e deixado uma coca e uma garrafinha d’água. A coca era para o menino. A mulher não quis nada. Olha em torno e distraidamente me vê. Disfarço, constrangido, e finjo que não percebo sua nova torrente de lágrimas. O menino tem o ar impaciente e assustado.
Depois de algum tempo os dois vão embora, levando a reboque o seu pequeno estorvo. Fiquei me perguntando: por que na frente do menino? Por enquanto, ele era um involuntário problema para os dois. No futuro, arruinado por cenas como essa, seria um desastre incurável para si mesmo. Aquela cena jamais me saiu da cabeça. Pensei que os adultos até poderiam brigar, trocar farpas, externar um recíproco ressentimento – mas não tinham o direito de, ao fazer isso, destruir a inocência das crianças.