“Amor é um egoísmo a dois”
Madame de Stael
Madame de Stael
Tenho mais medo de só ser que ser só. Como não me perder de vista diante de tanta pluralidade? Como me conjugar frente a tantos verbos? Ações múltiplas para um contexto amplo. E, mesmo tendo essa vastidão, corremos o risco de nos aprisionarmos. Perdidos em si, porque não soubemos escolher bem o outro. Ou por ter feito a escolha de só ser para o outro. Não é necessário muito tempo.
Aos poucos, gestos e palavras podem nos desprender de nós, descosturando nossos horizontes de sentido até ficarmos irreconhecíveis. Assim, caímos na dependência afetiva. Relações entre pessoas que se dependem são baseadas nas suas utilidades. Qual é o significado por trás disso? A tolerância anteposta ao carinho. Não são complementos.
Há um retrocesso. Um fio tênue está entre o amor e a posse. A partida é curta. A volta é longa. Basta perdermos a autoridade. Sequências de “sim” quando quisemos dizer “não”. E vice-versa. Então passamos a ser o vice-de-nós. Sujeitos não afeitos à reflexão são os mais vulneráveis. Não analisam as relações que vão estabelecendo. Sendo domados, evidentemente, perderão o domínio. Não sobra espaço para opinião própria. Viverão machucados e machucarão. Opressor e oprimido no mesmo corpo. O desconforto passará a todos, em volta, o pior. Se não se dispõe de si, então não terá disposição para o próximo. “Amar ao próximo como a si mesmo”. E quando não há amor-próprio?
Só se é quem se reconhece. Martin Buber, filósofo personalista, diz que no encontro entre um “eu” e um “tu” nasce o “nós”. Percebam: é uma terceira pessoa. O eu e o tu não se anulam. Saberemos se essa terceira pessoa foi criada depois de respondermos à seguinte questão: fui ao encontro de mim ou fui de encontro a mim? O amor nos autentica, nos faz sermos melhores, nos condiciona a viver. Não é o amor que é cego, é a paixão. Nesta última, a gente se imagina e acredita que todos os mistérios foram revelados. Enquanto um amadurece, outro fragiliza. Um é superfície; outro profundidade. O amor só acontece depois que as ilusões se esvaem. Quando percebemos que na relação existem virtudes e limites. É travessia. É ponte. E ponte se constrói dos dois lados.
Ninguém conseguirá se doar por completo, porque ninguém se conhece completamente. Não somos seres limitados, temos limitações, o que é diferente. Estamos sendo feitos. Não somos perfeitos. Nenhuma obra estará acabada antes da morte. O que nós chamamos de pronto é, na verdade, um abandono. O amor sobrevive de mistérios. Se não há mais nada a ser desvendado, então, evidentemente que a curiosidade, o desejo, se esvairão. Amor é o de novo, novo.