Li esta frase não sei onde e gostei. Ela me fez refletir sobre os estereótipos, os quais têm tanta força, como sabemos, e nem sempre retratam a verdade dos fatos, também sabemos. Mas quando eles “pegam”, acabou, não tem como se fugir deles; o trabalho para desmenti-los é grande – e não raro inútil. Vejamos alguns.
Falar neles, nem todo inglês é um gentleman. Daqueles de cinema: cavalheiros muito corretos, muito educados, muito bem vestidos, de guarda-chuva ou bengala. Só não incluo o chapéu coco, porque aí é demais, já vira caricatura, convenhamos. Se bem que todo estereótipo não deixa de ser caricatural. Mas voltemos aos ingleses. Aí estão os chamados hooligans, com sua famosa violência dentro e fora dos campos de futebol, para provar o que digo. Voltemos, pois, aos nacionais.
Nem todo brasileiro toma cachaça. Nem toca pandeiro. Nem vai à praia. Nem joga futebol. Nem come feijoada. Nem é carnavalesco. Nem é cordial. Nem é malandro. Nem quer levar vantagem em tudo. Ufa, quantos estereótipos sobre nós! Será que também é assim com os outros povos? É provável. Mas nós, como se vê, temos que carregar sobre os ombros uma carga pesada desses clichês. De tal modo, que se não nos enquadramos no modelo que nos é imposto, ficamos nos sentindo estranhos, como se houvesse algo errado com a gente e precisássemos de algum tipo de tratamento. Serei normal? É a pergunta que me faço, apreensivo, ao não gostar de aguardente, não tocar nenhum instrumento musical, ir raramente à praia e só gostar de futebol na Copa do Mundo. Só não afirmo com orgulho que não sou malandro nem quero levar vantagem em tudo, por uma questão de modéstia. Agora, cordial eu tento ser, sempre que possível, esteja Sérgio Buarque de Holanda certo ou não. Torço para que existam muitos outros brasileiros como eu, estranhos, vá lá, mas nada de outro mundo.
E nem todo francês é enólogo. Gostam muito de vinho, é certo, e o bebem muito. Orgulham-se da reconhecida excelência do produto nacional e o colocam, tal como a Torre Eifel, como símbolo gaulês. Muito bem. Mas quer isso dizer que lá não existem abstêmios? Ou que todos sabem distinguir as uvas, os terroirs, as safras e os produtores? Claro que não. Tem muito francês que substitui o vinho pela Coca-Cola, acreditem. Escondidos, é certo, mas que tem, tem.
E nem todo grego quebra pratos, como o Zorba do filme. Nos restaurantes típicos, é natural que tais tipos sejam facilmente encontrados, fazendo parte do cenário e da encenação que deles se espera. Mas fora daí também? Duvido muito. Até porque prato não é barato e ninguém vai fazer graça de graça, não é mesmo? E a propósito, se a filosofia nasceu na Grécia, difícil é hoje se achar um grego filósofo.
E nem toda italiana é bonita. Pois é. Podem não acreditar, mas é vero, obviamente. Não se encontra uma Sophia Loren em toda trattoria. Refiro-me à atriz quando jovem, claro, mas até que, nonagenária, ela está muito bem. Bons genes, com certeza. E nem todo taxista italiano é ladrão. Ainda não vi essa raridade, nem tive notícia, mas imagino que exista.
E nem todo russo é bêbado. Evidente. Mas que, no geral, tomam vodka como quem toma água, não há dúvida. Boris Iéltsin que o dissesse. Entretanto, os sóbrios estão lá, como em todo lugar. Podem não estar no governo nem nas forças armadas; todavia, em algum lugar eles estão, posso garantir. Um exemplo talvez seja o Lenin mumificado, salvo se as múmias beberem...
E nem todo português canta fado. Ah, nossos irmãozinhos portugueses. Como podem se livrar do fado, do bacalhau, da padaria e dos bigodes? Aqui no Brasil, até que o português das piadas arrefeceu um pouco nos últimos tempos, mas não totalmente. Vez em quando ele surge para alegrar as conversas. Um estereótipo? Sem dúvida. Todavia, o Prêmio Nobel de literatura de Saramago está aí para lavar a alma dos lusitanos e calar quem nunca ganhou um. Atualmente, com um belo país de primeiro mundo, são os portugas que riem de nós – e nos esnobam.
E nem todo argentino faz churrasco. Sim. Há quem não acredite, mas há muito hermano vegetariano. E mais que isso: vegano; daqueles que ao sentir o cheiro da carne na brasa, passa mal. Igualmente, nem todo portenho é psicanalista, pois há os que se deitam ao divã. E, por último, nem todo argentino é megalômano, acreditando que são os melhores do mundo em praticamente tudo. Esses, mais modestos, contentam-se em superar o Brasil.
E nem todo espanhol é fã de touradas. Há os que torcem pelos touros e os defendem com ardor. E há os que detestam flamenco, castanholas e tudo que os identificam como nação. Aliás, o espanhol é uma ficção, pois o que há são o povo basco, o da Catalunha, o da Andaluzia, o da Galícia, e por aí vai. A Catedral de Gaudí, tão tortuosa e multiforme, é bem um retrato da Espanha.
Vou parar por aqui, mas poderia seguir adiante, indefinidamente. Os estereótipos são praticamente infinitos. E por mais que queiramos fugir-lhes, por natureza ou só para ser do contra, há sempre o perigo de, com nossa resistência atípica, nos transformarmos em um novo tipo deles.