“Entre o sonho e a realidade, danço no desassossego.”
(Fernando Pessoa)
(Fernando Pessoa)
A concepção do livro Diário dos desassossegos foi uma feliz ideia do escritor patense José Roberto Amorim. A narrativa difere do que se lê, normalmente, no universo literário. Trata-se de um misto de biografias e ficção. José Roberto apresenta dados e fatos reais da vida de celebridades, porém de maneira ficcional, com detalhismo nas descrições das cenas, levando o leitor a participar delas com vivo interesse. Ele consegue a proeza de brindar o leitor com prazerosas narrativas de cunho biográfico, sem deixá-lo cair no tédio das biografias tradicionais. O autor pinça fatos interessantes ou relevantes da vida de cada um e os apresenta cinematograficamente, como se a cena acontecesse diante de nossos olhos. Em vez de dados biográficos, descortinam-se melancolias e desassossegos de 21 celebridades do mundo das Artes Plásticas, da Música, sobretudo da Literatura. Além disso, o narrador demonstra pleno conhecimento das toponímias dos cenários frequentados pelos personagens estrangeiros, o que dá maior verossimilhança às narrativas.
São focalizados, sobretudo, os aspectos sombrios da vida de cada uma das celebridades. Mostra a boêmia dos artistas e, por conseguinte, a vida desregrada, o alto consumo de absinto, bebida da moda durante muito tempo, posteriormente proibida por ser extremamente prejudicial à saúde. Outras drogas eram também utilizadas como mola propulsora para a criação artística.
Os artistas e escritores focalizados apresentam, coincidentemente ou não, diversos pontos em comum. Por exemplo, muitos deles optam por morar ou passar grandes temporadas em Paris, centro cultural mundial, durante muito tempo. Na vida dos biografados, há diversos detalhes recorrentes que merecem destaque: boêmia, alcoolismo, depressão, suicídio, morte precoce, tuberculose, sífilis... e as agruras da vida financeira para quem tenta sobreviver das artes. “... viver de arte é sempre uma temeridade” (pg.92).
Há também nos relatos, encontros ou cruzamentos de grandes celebridades mundiais: Hemingway com James Joyce; Camilo Castelo Branco com Dom Pedro II; Tchaikovski com Alexandre III (Imperador da Rússia); Paul Verlaine com Rimbaud e Van Gogh com Paul Gauguin. As famílias de todos eles são relegadas a segundo plano ou nem chegam a ser mencionadas. As mulheres não têm relevância alguma. São subservientes, raramente nominadas, vistas como objeto de luxúria, com raras exceções.
O título da obra, Diário dos desassossegos, nos remete fatalmente ao livro do grande poeta português Fernando Pessoa. O Livro do Desassossego é uma espécie de diário semificcional póstumo, composto por fragmentos dispersos encontrados após a morte do autor. Sabe-se que Fernando Pessoa morreu aos 47 anos, devido a uma crise de pancreatite aguda causada pelo abuso de álcool. Os personagens do Diário dos desassossegos, de José Roberto Amorim, assim como o poeta português, morreram também precocemente, em sua grande maioria, devido ao abuso do álcool e de outras drogas. São eles: Fagundes Varela, Paul Verlaine, Van Gogh, Oscar Wilde, Gauguin, Modigliani, Fernando Pessoa, Hemingway, Toulouse Lautrec... Alguns deles se mataram.
A solidão e o ensimesmamento, temáticas recorrentes no livro de José Roberto, são essenciais no livro de Fernando Pessoa. No entanto, não se trata da solidão de estar só, mas de sentir-se só, mesmo estando entre amigos, mesmo sentindo-se amado. Trata-se de um desejo insatisfeito de companhia. A solidão pode gerar a depressão e esta, algumas vezes, engendra o suicídio. Em sua maioria, as celebridades focalizadas com depressão e/ou melancolia, mergulham no vício para fugir, embora temporariamente, da realidade deprimente e decadente em que se encontram, ou quiçá para amenizar a dor de existir.
Reais ou ficcionais, os fatos narrados podem acontecer com qualquer pessoa, em qualquer tempo e espaço, o que caracteriza a universalidade da obra. Esse excelente livro brotou no “Quintal dos Poetas”, no interior de Minas Gerais, para ganhar a vastidão do mundo. Oxalá seja traduzido em diversas línguas, para abranger o maior número possível de leitores.
Referência:
AMORIM, José Roberto. Diário dos desassossegos / Lagoa Santa: Quintal dos Poetas
Oficina Literária, 2016.