Palavra francamente em desuso: caritó. Tem os seguintes significados: casinhola tosca, atribuída a quem fica sem casar ou prateleira rústica colocada em paredes. Isto em tempos atrás, quando a honra da donzela precisava receber a anuência civil e religiosa (até da delegacia). Seguia os traços da moralidade predominante ou era considerada pústula na sociedade; quando, no extremo, o pai, em nome da honra da família, a desterrava a algum cabaré, ignorando-a fatalmente.
Havia a predominância de uma sacralidade virginal como condição para o par vir a unir-se sob o mesmo teto. Exceções, sim, porém com riscos e coriscos. Exigência do próprio pretendente. Mas, vamos continuar: amiga nossa possuía dois caritós: o da parede e ela mesma. Pretendia ser freira, gostava de embalar criancinhas de berço, conversar com bebês, mas ser mãe, nunca.
Assim nos disse, porém, a verdadeira versão dos fatos é a contada por um nosso vizinho de linha esparsa e venenosa. Desde menina (dizia o informante ser ela bonita e faceira; caberia na letra de samba de respeito) se exibia, participava de encontros, desfilava em concursos de beleza, obtendo boa classificação. Só não atingia o ponto máximo por que tinha um trejeito no olho esquerdo, pisca-piscava sem parar, chegando a derramar involuntárias lágrimas. Ela pensava no príncipe encantado, levava a fantasia e o sonho, desprezava e gazeava a sala de aula para consultar o espelho.
Quando o sinal inicial para início de namoro era um piscar de olho, ela, muitas vezes, confundia os rapazes contemporâneos. Orgulhosa de sua beleza, recusava namoros e pretendia encontrar seu cara-metade com exigente seleção íntima. Um vizinho dela (fiquei pasmo quando soube de uma notícia sobre ele) – não a comento por precaução, jamais por preconceito – era, como se dizia à época, “arriado dos quatro pneus”; pasmem, principalmente pelo piscar d’olhos que para ele seria o charme.
Rejeitado, ingressou em becos descoloridos e terminou caindo no espalhafato. Deve ser um solteirão sumido. A nossa conhecida selecionou tanto e exageradamente, desafiando o calendário que, logo amadurecida, não era mais a escolhida, nem exaltada. A beleza se lhe foi emurchecendo.
Quando a visitamos não era velha, mas irritada, expelindo pelos poros o trauma nela instalado, isto é, a presença do caritó. Mexia os olhos, mas sem aquela atração. Os óculos de lentes bem graduadas escondiam a particularidade, o pisca-piscar. Para consultar a hora, se levantou de onde nos fazia companhia e viu os ponteiros indicando a hora do lanche. O reloginho estava hospedado na cratera do caritó. No da parede, obviamente. O outro não ia além de cacoete.